Parte I
Laranja da Terra (município de Iúna, Espírito Santo,nascimento até 7 anos)
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Meus pais tinham o seu próprio pedaço de terra, que consistia de uma plantação de café, um bananeiral, um pomar com todos os tipos de laranjas e uma variedade de frutas, além da horta no terreiro da casa, com verduras, couve, alface, taioba, serralha, almeirão e plantas medicinais, para fazer chazinhos. E um livro de Homeopatia e, mais tarde, outro com o título de “As plantas curam” que meu pai usava para nos tratar quando ficávamos doentes.
Primeira casa dos meus pais Norival e Erandi |
Sou a filha mais velha e meu pai, contava que eu já estava grandinha, mas não abandonava meu bico de borracha fina, vermelho (tipo balãozinho), mas ele me convenceu a jogá-lo para as galinhas.
Ainda posso sentir o gosto das mexericas enormes, plantadas no cafezal do grotão, do caldo de cana espremida na engenhoca perto da cachoeira do córrego e dos inhames que meu pai cozinhava num tambor de querosene para tratar dos porcos. Minha irmã Etelvina, (somente treze meses mais nova do que eu e companheira inseparável) e eu, enfiávamos os dedos nos inhames ainda meio quentes, e como eram gostosos mesmo sem sal ou qualquer tempero... Nos fundos da casa havia uma tulha, onde eram guardados os grãos, arroz, milho, feijão e cachos de bananas pendurados para madurar, para serem consumidos por nós, pelas galinhas e porcos também. Adorávamos espremer as bananas-ouro direto na boca.
Quase todas as vezes que o meu pai ía a Lajinha, a cidade mais próxima, sozinho ou conosco, comprava Toddy, aveia para fazer mingau, biscoitos Maria, rosca seca, que a gente comia molhando no café com leite ou na água doce, quando estava doente, e azeitonas. Eu era louca por azeitonas, que eu chamava de "frutinhas" . Minha mãe contava que, certa vez, quando era muito pequena, comi tantas azeitonas sem mastigar direito que, `a noite, tive uma grande dor de barriga. Na tentativa de diminuir os gases, meu pai fez uma massagem. Soltei um tiroteio de frutinhas nele.
Ele sempre ajudava minha mãe em todas as tarefas da casa. No domingo de manhã, cortava nossas unhas e checava nossas orelhas antes de tomarmos banho e vestirmos os vestidos que minha mãe costurara para nós, alguns bordados e sempre engomados, para irmos para o culto na Congregação Batista, que funcionava na casa anexa `a venda do tio Gil, irmão da minha mãe.
Todas as manhãs, meu pai saía cedo para a lavoura de café, no morro depois do rio. Por volta das dez e meia, minha mãe pedia para que o chamássemos para vir almoçar.
"Pai...ê!!!!", gritávamos com toda a força. E ele respondia da maneira que nunca vi ninguém mais responder: "Ê... eu..." Dali a pouco, estaria almoçando conosco, ele e minha mãe na mesa grande, nós na mesinha que ele havia feito, com três banquinhos de tamanhos diferentes, um para mim, um para Etelvina e outro para Aneci, uma garota que estava morando com a nossa família na época e ajudava minha mãe na casa, pois ela, além de costurar para fora, ensinava corte e costura. Eu achava interessante quando a Anita, filha da tia Lilica, irmã do meu pai e aluna de corte e costura da minha mãe, que é a única de que me lembro, montava os vestidinhos de papel.
Então comecei a chorar, não um choro normal que eu choraria se não tivesse que explicar a minha travessura. Decidi me fazer de vítima e, quando cheguei em casa chorando copiosamente, disse aos meus pais; "Por favor, não me deixem fugir outra vez, senão eu caio da pinguela."
Etelvina sempre foi uma criança muito esperta. Apesar de ser treze meses mais nova do que eu, prestava atenção a tudo o que estava acontecendo, até `a mudança do tempo. Certa vez, estava com jeito de chuva e ela falou pro meu pai "Ô pai, precisamos guardar essa lenha, porque vai chover."
vezes, meu pai comprava vidros grandes de "ovinhos de garrincha", como ele chamava os amendoins torrados cobertos de chocolate, diretamente do caminhão. Certa vez, ele encontrou-se com o caminhão na estrada e comprou duas latas de biscoito decoradas, para mim e Etelvina, e pediu ao motorista que parasse lá em casa e fizesse a entrega . Estávamos brincando no tereiro, quando o caminhão parou e o homem nos entregou as latas, sem maiores explicações. Ficamos radiantes e não podíamos acreditar no que estava acontecendo, tinha que ser um milagre. Corremos para dentro, para mostrar para a nossa mãe, os presentes que havíamos ganhado do "Homem da Confiança". Minha mãe não disse nada, pois também não sabia a origem das latas, mas não se preocupou. Não havíamos saído e alguma explicação haveria para o ocorrido.
Apelidamos nossas latas de biscoito de "baús" e, algum tempo depois, quando entramos para a escola, usávamos os nossos "bauzinhos", as latas, para colocar os objetos escolares. Anos mais tarde, depois que nossa irmã Clarinda nasceu e já tinha uns dois anos, meu pai perguntava se ela queria ir para a escola e ela respondia que não, pois "não tinha láspi e nem baú".
Uma vez por ano ou mais, era tempo de fazer farinha, no galpão ao lado das tulhas de guardar café, perto da venda do tio Gil. A família toda, meus pais, tios, tias, Vovó Leonina e uma turma de empregados, estariam ocupados em descascar, ralar e prensar mandiocas para fazer a farinha. Por meses ou pelo ano, teríamos farinha para fazer farofa, o polvilho para os biscoitos e brevidades, que eram assados todos os sábados no forno grande na varanda da fazenda do Vovô Américo. Durante as semanas em que a fazeção de farinha estava acontecendo, a comida vinha da casa do vovô em bacias grandes; o arroz, o feijão, a carne, o angu e a verdura, cada qual num canto. Era uma verdadeira festa para nós, crianças.
Família da vovó Etelvina (assentada). Em pé: Tio Astrogildo, meu pai (Norival), tio Nolmerindo, tio Atardes, tio Osvaldo, tia Valmerinda, tia Lilica (Maria) e tia Valmira |
Tia Valmira, irmã do meu pai, casada com o tio Raivil, primo da minha mãe, era a única que morava do outro lado, perto da Fazenda do Tio Lindolfo, irmão do vovô Américo e pai do tio Raivil. Passando pela estrada, eram uns três quilômetros, mas cortando pela lavoura no alto da pedreira, chegava-se em pouco mais de uma hora de caminhada morro acima e depois morro abaixo. Lá havia as melhores jabuticabas que já comi e ela sempre fazia um biscoito de polvilho frito, delicioso.
Na maioria das vezes, usávamos o caminho pela casa da tia Julica, irmã da Vovó Etelvina, e aproveitávamos para visitá-la. Algumas vezes, parávamos na casa do tio Eusláquio, irmão da Vovó Etelvina também. A outra irmã dela, tia Filhinha, morava bem perto da Vovó Etelvina, acima do açude do tio Nolmerindo, e íamos lá frequentemente também.
Casa da Fazenda do Vovô Américo |
Na manhã seguinte, ainda com escuro, meu pai chegou, explicando para nós que a Vovó Leonina havia morrido de repente, na noite anterior. Eu era muito chegada `a minha avó, de quem herdei o nome. "Ó meu Deus, como é que vou arranjar outra avó tão boa como a Vó Nina?", falei. Minha irmã Etelvina, um ano mais nova do que eu, que recebera o nome da outra avó, e que parecia ter solução para tudo, depois de ter perguntado onde é que a vovó tinha ido e ter sido informada de que ela estava no céu, perguntou: "Por que a gente não leva um remédio pra ela, lá no céu, pra ela sarar e ficar boa?"
Fiquei sabendo depois, que meus pais ainda estavam na cozinha na noite anterior, depois de nos colocarem na cama, quando ouviram os gritos da tia Ilca "A mamãe morreu..."
Minha mãe (Erandi e vovó Leonina) |
Não me lembro muito do dia do enterro, exceto de que foi um dos piores dias da minha vida. A casa do vovô estava cheia de gente e por algum tempo, que pode ter sido apenas uns cinco ou dez minutos, mas que para mim parece ter sido uma eternidade, fiquei perdida no meio daquela multidão, indo de um cômodo para o outro, sem encontrar nenhum parente ou conhecido, apesar de quase todos serem parentes ou conhecidos.
O de que eu me lembro perfeitamente é da minha avó dentro do caixão no terreiro, ao lado da longa escada de cimento da porta da frente, o seu rosto sereno, como se estivesse dormindo e do culto em que cantaram os hinos do Cantor Cristão próprios para a ocasião, dos quais não me lembro, mas possivelmente o 508 do cantor Cristão "Eu avisto uma terra feliz..."
Os dias que se seguiram foram muito difíceis para toda a família. Mudamo-nos para a casa do vovô; ele precisava de ajuda. Dos treze filhos, oito ainda eram solteiros, alguns vivendo em casa, outros no internato do Colégio Evangélico em Alto Jequitibá ou no Ginásio Rui Barbosa em Lajinha; o mais novo, tio Filadelfo, com apenas sete anos.
Ainda me lembro do vovô, homem alto, forte, careca e de olhos azuis, assentado no longo banco de madeira na sala, ouvindo o rádio e fumando o cigarro de palha que preparava com toda a paciência. Estava muito deprimido e algumas noites, acordávamos de madrugada com ele cantando "Passarinhos, belas flores, querem me encantar... oh, vão celestes esplendores... eu quero já voar", que fala da saudade de Jesus e vontade de ir para o céu.
Pode soar muito estranho, mas para mim, de certa forma, apesar de sentir saudades da vovó, a vida ficou ainda melhor. Eu estava morando na casa do vovô, junto com tios e tias...
A fazenda produzia de tudo, milho, arroz, feijão, mas o principal produto era o café, que meus tios despolpavam para dar melhor classificação. A princípio, vendiam o café para o Alvino, como chamavam o Seu Alvino Heringer, sobrinho do vovô Américo, dono da fazenda vizinha. Mas depois passaram a comprar café também e o tio Gil tinha um grande armazém onde era feita a catação, para retirar impurezas e os grãos imperfeitos, operação que envolvia muitas pessoas, a maioria mulheres, em bancas montadas dentro da grande tulha. Eu adorava ajudar na catação.
A semana era movimentada na fazenda. A comida feita num fogão a palha de café; fogo intenso mas com pouca fumaça. A moega de madeira no lado de fora da cozinha, era conectada ao fogão por um tubo de metal com um registro, aberto de acordo com a necessidade. Por dentro do fogão passavam os canos da serpentina que esquentava a água do chuveiro. O forninho do lado do fogão quase não era utilizado para assar; o mais usado era o grande forno `a lenha da varanda. Mas no inverno, nós, crianças, assentávamos em cadeiras na beira do fogão e colocávamos os pés enrolados num cobertor dentro dele, para nos aquecermos.
Tio Gil, vovô Américo, minha mãe (Erandi), tio Joassi, tia Edil, tio Joanilson, tia Elma e tio Filadelfo |
Uma vez por semana, minhas tias e uma empregada de nome Ilda contavam casos e riam enquanto lavavam roupas num enorme tanque de cimento. As roupas eram postas de molho, ensaboadas, esfregadas `a mão e postas num tacho de água para ferver, exceto pelas domingueiras ou as que saíam tinta. A seguir eram colocadas para corar nos pés de capim cidreira na beira do terreiro; o sol tirava as manchas que restavam. Depois, batidas no batedouro, enxaguadas e penduradas no varal para secar. As camisetas e cuecas dos tios que estavam no internato eram marcadas com o nome, usando um carimbo esculpido na semente de abacate, a nódoa funcionando como tinta permanente. Água sanitária era usada para lavar as roupas brancas e, certa vez, meu tio Filadelfo tinha ido a Lajinha com o tio Gil e minha mãe encomendou uma garrafinha. Chegaram tarde e ele dormira na casa do tio Gil. Pela manhã quando vimos que o tio Filadelfo estava vindo na estrada, corremos para encontrar com ele. Caminhando, ele balançava a garrafinha escura na mão, enquanto contava como tinha sido a viagem. De repente, talvez por causa do movimento e dos gases formados dentro da garrafa, esta perdeu o fundo, derramando o líquido em cima de mim, que estava na sua frente. Tio Filadelfo ficou todo desapontado e corremos até em casa. O vestido xadrez de verde que eu estava usando começou a desbotar e a se rasgar em poucos minutos. Minha mãe me levou para o banheiro e me colocou debaixo do chuveiro, lavando com todo tipo de sabão que tinha em casa. Mas, por dias, eu fiquei com o cheiro de água sanitária que nenhum perfume conseguia eliminar.
A passação era um ritual noturno, e, `as vezes, deixavam que eu e minha irmã Etelvina passássemos as roupas menores.
Meu tio Filadelfo, apenas quatro anos mais velho do que eu, minha irmã Etelvina e eu, gostávamos de cantar hinos do Cantor Cristão durante estas noites, fazer jogos de barbante, jogar belisca, fazer gaita de papel no pente e outras brincadeiras. Todas as noites, também, minha mãe (Erandi) dirigia o culto doméstico, líamos a Bíblia, o “Manancial” (uma revista com a citação bíblica e a explicação), falávamos versículos e orávamos antes de dormir. E, `as vezes, tia Ilca, tio João ou tia Elma, tocavam o órgão e cantávamos acompanhando. Eu gostava de cantar “Cristo é quem nos manda como luz brilhar” e caprichava no “tu no teu cantinho... e eu no meu”. Ou o tio João, com a sua possante voz de tenor, iria tocar o órgão e fazer um solo “Jerusalém... Jerusalém”.
Quando o grande relógio de carrilhão da sala cantava “Hora certa, hora certa...” e dava sete badaladas, era a “Hora do Brasil” no rádio (depois mudou para “Voz do Brasil”) que começava com a ópera “O Guarani” (Tan...tan...tararan...tan...) e mantinha todos informados sobre os últimos acontecimentos mundiais, uma rotina solene que meu avô não perdia por nada. Na parede, o quadro dos dois caminhos, comuns em muitas outras casas, além de outros dois, um com a foto do meu bisavô João Carlos Heringer, pai do vovô Américo Marcelo Heringer e o outro com os pais da vovó Leonina de Freitas Heringer, vovô Filadelfo Mariano de Freitas e vovó Arminda Belarminda Soares de Freitas.
Minha mãe costurava para a família toda e para outras pessoas também. Nos dias de chuva, fazia roupas para as nossas bonecas e dizia que estava costurando para as netas. Ensinava a gente a pedalar a máquina Singer, que a princípio era difícil fazer andar só para a frente. Para praticar, ela nos deixava costurar papel, sem linha na agulha. Quando ficamos maiores, ela nos ensinou a fazer roupas para as bonecas. Etelvina, mais nova do que eu, fazia os vestidinhos com detalhes, bolsos, golas e modelos complicados; eu fazia os meus o mais simples possível. Aliás, ela sempre foi alerta e cuidadosa com tudo. Certa vez, meu pai foi ao Rio de Janeiro e comprou uma boneca enorme para ela e um boneco para mim. O meu chamava-se Gabriel. A dela, eu nem me lembro, pois durou pouco. A boneca era de papelão e ela deu-lhe um banho caprichado que dissolveu-a todinha. Mas mesmo os nossos bebezinhos de borracha ganharam todo o cuidado dela. Cortou as unhas (dedos) das bonecas.
No dia de matar capado, o movimento começava cedo. Etelvina, eu e tio Filadelfo, descascávamos bastante alho. Meu pai (Norival) depois de dar uma machadada com a parte não cortante na cabeça do porco, levantava a pata dianteira do animal e perfurava com a faca na altura do coração, com o cuidado de ter uma vasilha que coletava o produto, para fazer o chouriço de sangue. Depois cobria-o com palha de milho e ateava fogo, tirava água fervente do tacho e ía entornando sobre o bicho e, com uma faca bem afiada, raspava a pele eliminando pelos que houvessem resistido ao fogo. Um corte na barriga e retirava os órgãos internos. Minha mãe e minhas tias, além da Ilda, a empregada, iriam cozinhar, fritar a carne, fazer linguiça e chouriço de miúdos e chouriço de sangue, rechear o bucho... E o cheirinho era irresistível. Eu gostava de comer o miolo do porco, pois diziam que era bom para o cérebro. A carne frita era colocada em latas de querozene limpas, junto com a gordura, e podia ser consumida por muito tempo sem que estragasse. O sabão preto, usado para lavar a roupa, era feito com "diquada", o produto de água passada pela cinza num barrileiro, e restos de torresmo do qual se havia espremido a gordura e outras partes do porco que não serviam para comer.
Não me lembro se a cozinha da fazenda era de chão batido quando nos mudamos para lá, mas sei que num canto da cozinha, onde ficava o filtro de água, houve uma época em que se abriu um buraco que nós chamávamos de Japão. Se cavássemos um pouco mais, chegaríamos do outro lado do mundo...
O quintal da fazenda tinha muita laranja de todos os tipos, lima, campista, cravo (minha favorita) e manga, além do pomar perto da venda com aquelas jabuticabas pretinhas, e as mexericas enormes do grotão... Quando chegava a época das goiabas, o movimento era grande. Colher, limpar, cortar, cozinhar, moer ou passar na peneira e finalmente secar no tacho até chegar `a consistência de colocar nas caixas retangulares de madeira, que conservava o ano todo. Goiabada em pedaço, calda ou cascão, comida com queijo em pedaço ou ralado, que sobremesa gostosa! Os queijos eram feitos em formas redondas de madeira e depois enrolados em panos de saco e colocados numa tábua na parte de cima da janela do lado de fora da cozinha para madurar (maturar) . Todos os dias, eram retirados para serem esfregados com sabugo, lavados e colocados novamente para curar até o ponto desejado.
Na colheita do milho, descascar, moer o milho verde na máquina de moer carne, passar na peneira para tirar a bucha e fazer pamonha e papa (ou mingau de milho verde). E algumas das espigas com seus cabelinhos ruivos, viravam nossas bonecas também.
Quando chovia o bastante para encher a vargem, Vovô Américo pegava a “Flaubert” e, com boa pontaria, atirava nas traíras, sem perder nem um tiro. Frango para o almoço? Havia duas opções: pedir ao vovô para matar com tiro (uma vez matou dois com um tiro só) ou mostrar o frango desejado para o Campeiro, o cachorro preto do tio Filadelfo, que o trazia sem machucar.
Certa vez, o campeiro fugiu. Depois de vários dias, alguém falou para o meu pai que o havia visto em Crisciúma, um córrego a mais ou menos sete quilômetros de distância. Meu pai foi lá, de caminhão, buscá-lo. Para improvisar uma coleira, usou embira de bananeira trançada, amarrada num pedaço de pau e o trouxe para casa. Tio Filadelfo ficou muito feliz.
Lembro-me de que uma vez em que ele perguntou pra minha mãe: "Erandi, você deve ser uma pessoa muito feliz, não é?" Ela respondeu que sim e ele complementou: "O Norival é muito bom pra você."
Depois que o Campeiro morreu de velhice, tio Filadelfo teve um cachorro castanho chamado Rojão, que o seguia onde ele fosse.
Certa vez, minha mãe foi para um congresso das senhoras na Igreja Batista de Chalé e deixou a Etelvina e eu na casa da tia Lilica, irmã do meu pai. Tio Filadelfo ficou com o vovô. Uma tarde, ele apareceu na casa da tia Lilica. Na verdade, não na casa, mas no terreiro, atrás da tulha, perto da estrada. Tinha os olhos vermelhos e parecia ter chorado. Perguntei-lhe o que havia acontecido e ele simplesmente me disse, entre soluços "Aquele veado... ele viu o cachorro sim".
Um homem chamado C, que tinha uma máquina de limpar café havia atropelado e matado o Rojão. Tentei consolá-lo e fazê-lo acreditar que teria sido um acidente, mas ele dizia que não. Comecei a chorar junto com ele. Fiz de tudo para convencê-lo a entrar na casa da tia Lilica, mas ele não quis. Ficamos assentados os dois por um bom tempo e depois ele foi embora.
Nos três dias em que Etelvina e eu ficamos na casa da tia Lilica, aprendi a andar de bicicleta, uma bicicletinha de criança do meu primo Ailton, filho do tio Ataídes. Fiquei tão excitada com a minha nova habilidade que, quando minha mãe apontou lá no morro, vindo a pé, a uns quinhentos metros de distância, de onde se avista a Serra do Caparaó, onde fica o Pico da Bandeira (terceiro mais alto do Brasil, com 2.891,32 metros de altitude) eu a vi e comecei a gritar "Ô mãe, eu aprendi a andar de bicicleta". Ela não estava entendendo, e eu repetia mais alto: "Eu aprendi a andar de bicicleta".
Quando chegamos em casa, tio Filadelfo já estava melhor.
No dia em que Etelvina e eu voltamos de Manhumirim trazendo caixinhas com brincos, uma meia lua de ouro com um rubi na parte inferior mais larga, estávamos tão excitadas que não pudemos nem mudar de roupa antes que minha mãe furasse nossas orelhas. Ela, que era a enfermeira oficial do córrego e tinha prática no ofício, pegou uma cortiça, colocou na parte posterior de cada orelha, desinfetou uma agulha com álcool e furou com mão firme. Doeu bastante, mas não choramos nem demos sinal de que havia doído.
Pouco tempo depois que a vovó Leonina faleceu, fomos a Itabira, no Norte (do Rio Doce), visitar os parentes, vovô Filadelfo, meu bisavô, pai da vovó Leonina, tio Reginaldo, irmão dela, tio Adiles e tia Elzina, tio Joel e tia Jeny, tio Jeronil e tia Adenair.
Meu pai perguntou a ele por que não havia falado nada, pedido algo para comer, mas ele, adolescente e tímido, não o faria. E o fato de ser adolescente talvez tenha contribuído para que a fome fosse maior.
Etelvina, Clarinda e eu (Leonina) |
Clarinda se tornou o xodó da casa, gordinha e rechonchuda e tinha o apelido de “Lindinha”. Tio Jenus lhe ensinava a cantar e a dançar umas musiquinhas apimentadas "Dançá agarradinho é bom, namorá agarradinho é bom... Fico todo mole-mole, todo sujo de baton..." e "Eu tava na peneira, eu tava peneirando... Eu tava no namoro, eu tava namorando..." Era muito engraçadinha. Lembro-me de uma vez em que alguém estava viajando para Itabira e ela disse que era para dar um abraço no tio Jenoril (Jeronil), tio Zé Rinaldo (Reginaldo) e em todo bichinho de orelha..."
Quando passávamos em qualquer ponto mais alto da estrada montanhosa da região e dava para ver as encadeadas montanhas azuis do Caparaó, ela dizia: "Olha lá o Macaraó".
Clarinda era muito mimada por todos, era o nosso bebê. Além disto, tinha bronquite asmática e por dias a fio ficava doente. Etelvina, apesar de pequenininha, cuidava dela, dava banhos e contava histórias para ela. Só que ela tinha a personalidade muito forte e quando queria alguma coisa, como o balanço que tínhamos no pé de goiaba no terreiro, não pedia, simplesmente tínhamos que sair e deixar para ela, imediatamente. Senão, eram mordidas e tapas, que não revidávamos. Uma vez, eu estava no balanço e me recusei a sair. Ela, então, subiu no pé de goiaba e quando vi, estava sendo molhada do xixi dela. Até que um dia, tia Edil me disse "Da próxima vez que a Clarinda te bater ou morder e você não fizer nada, vou te bater também". Clarinda nunca mais me bateu ou mordeu.
As três sobrinhas com tio Filadelfo |
Não era tradição para nós, comemorar aniversários. Possivelmente porque havia sempre tanta gente na fazenda que o dia a dia já era uma festa. Além disto, a ênfase era dada a alimentar tantas pessoas quantas fosse possível e não gastar com festas (nunca ouvi nada sobre isto; eu suponho que pensassem assim). Também, ninguém na casa era especialista em confeitar bolos, e, se fôssemos comemorar todos os aniversários com festa, provavelmente haveria uma festa por semana. Quando completei seis anos, entretanto, lembro-me de que houve um culto de oração lá em casa, com café com leite e broa, seguido do "Parabéns pra você". E o resultado foi ótimo. Ganhei algumas notas de um cruzeiro e uma lata de Pó de Arroz Lady (que se pronuncia ''lêide", mas que pronunciávamos "ladi" mesmo).
Numa época, minha mãe trouxe uma filha de uma prima dela, Marta, que estava noiva, para a nossa casa e estava fazendo todo o enxoval de casamento dela. O noivo se chamava Mário.
Num dia em que faltou água na casa do vovô, possivelmente porque os animais haviam arrebentado os canos ou coisa assim, tia Edil, tia Elma e Marta foram lavar roupas no rio. O dia estava quente e elas começaram a brincar de jogar água uma na outra, até que ficaram todas molhadas.
Quando, `a tardinha, o noivo, Mário, chegou lá em casa, Etelvina foi correndo contar pra ele que a Marta havia tomado banho no rio.
O casamento foi na casa de outra prima da minha mãe do lado Freitas, Gessi do Ademar Heringer, que também era prima da Marta.
Alda e Alcali |
Alda era a minha amiga inseparável e quando a mãe dela mandava o Abel ir chamá-la lá em casa, eu a escondia na tulha de palha de café e ficava lá, como se não tivesse nem idéia de onde a Alda andava. Não gostava do Abel, principalmente porque minha tia Elma dizia que eu iria me casar com ele.
Não sei porque, mas houve um tempo em que não havia escola próximo `a fazenda, ou não havia professora, não sei bem. Só me lembro de que a Adelina, filha do Seu Manoel Beca, que tinha uns doze anos, deu aulas particulares para nós e os filhos do tio Gil, na sala da casa dele. Aprendi a ler e escrever com ela e ainda me lembro da alegria de saber decifrar o que estava escrito em livros. Lia tudo, as revistas "Jóias de Cristo", da Escola Dominical, a revista Almanaque, o dicionário Lello Ilustrado do meu pai e os livretos de propaganda do Biotônico Fontoura, com a história do Jeca Tatu. Todos na família, magricelas, anêmicos... Depois do Biotônico, ficam saudáveis, bem vestidos e calçados. Inclusive os porcos e galinhas na fazenda passam a usar sapatos.
Congregação Presbiteriana nos Braga |
dos Braga, onde havia também um pequeno templo presbiteriano, a uns dois quilômetros de pasto, uma matinha e o grotão do tio Gil com a plantação de milho e feijão. Um trilho bem a pique para subir e mais a pique ainda para descer, no meio da lavoura de café. Na volta cansados, a subida a pique... No inverno, usávamos blusas de frio pela manhã. Mas na volta, estava quentinho e o tio Joanilson, antes de ir também para o internato em Lajinha, costumava amarrar a blusa de frio na cintura dele, a minha ou da Etelvina na cintura da gente e, amarrando as duas mangas, nos puxava morro acima. Minha irmã Etelvina era magricela e, `as vezes, tio Joanilson a deitava no pescoço dele e pedia para ela ficar esticadinha. Carregava-a atravessada no pescoço como se fosse um cabo de vassoura. Minha mãe preparava a merenda, uma farofa de arroz, ovos e couve com farinha, colocada numa latinha em forma de cilindro (vinha com um pó, uma vitamina da qual não me lembro o nome), que ía no bolsinho de fora do embornal de livros, costurado por ela. De vez em quando, dávamos a volta por um caminho mais longo, pelo Tinguaciba, para que o tio Joanilson acompanhasse a namoradinha, Zulma, filha de uma prima da minha mãe, Zulina, e neta do Seu Vertulino, até `a casa dela.
A escola consistia de um cômodo grande, onde uma professora excelente e pessoa adorável, D. Arlete Vieira, que vinha de Pequiá todos os dias, dava aulas para uma turma de uns trinta ou mais alunos, de primeira `a quarta série. Passava deveres para um grupo e depois para outro e assim por diante. Nem sempre dava conta de manter todos ocupados. Eu gostava destes intervalos em que eu não tinha nada para fazer. Achava um lugar escondido num canto da sala onde o Alcione Drumond, (filho da tia Valmerinda, irmã do meu pai; tenho um outro primo, Alcione, filho da tia Lilica) num tom bem baixinho, lia histórias para mim. O Alcione era muito inteligente e muito engraçado também. A Nailda, uma garota que morava na casa da tia Nair e tio Osvaldo, e que se chamava Nair também, mas teve o "nome mudado" para Nailda, para diferenciar da tia Nair, me lembrou das vezes em que eu e ela acompanhávamos o Alcione, que estava apanhando frutas no pomar de um dos Braga. Corríamos e o deixávamos sozinho com medo de sermos apanhadas. Também me lembrou do nosso Correio, uma caixa que a professora colocara num dos cantos da sala para que trocássemos correspondência. Segundo ela, eu escrevi uma carta para ela, da qual nunca se esqueceu. Como seria bom se ela tivesse esta carta, mas, quem guarda cartas por mais de cinquenta anos? Eu era ótima em linguagem, mas detestava matemática.
"Vovô viu a uva", na Cartilha da Infância, e um livro de histórias do qual não me lembro o nome, mas que tinha, entre outras, a fábula do "Bicho Folharal", a história de uma raposa que queria beber água, mas estava com medo da onça... Passou mel no corpo e deitou-se nas folhas secas, que ficaram coladas no seu corpo. Ao chegar `a fonte, a onça lhe perguntou que bicho era, e ela responde: "Eu sou o Bicho Folharal". Só que a água lava o mel e as folhas começam a cair... Amava ler, mas detestava a tabuada.
Depois que o tio Joanilson foi para o internato, tio Filadelfo passou a ser o nosso líder. Certa vez, num dia em que os filhos do tio Gil não foram `a escola, resolvemos matar aula. Ficamos no grotão de manhã até `as onze e meia mais ou menos, simplesmente matando o tempo, tio Filadelfo esculpindo alguma coisa no barranco com o canivete. Houve um hora em que começou a chover e nos escondemos numa cabana feita para guardar o feijão colhido. Passado o tempo da aula, voltamos para casa. Só que um rapaz dos Braga havia passado na estrada e nos visto e quando chegamos em casa, todos já sabiam da nossa aventura. Meus pais não nos puniram, tampouco o vovô puniu o tio Filadelfo. Apenas nos disseram que aquela não era uma boa atitude e não deveríamos repetí-la.
No ano seguinte, D. Arlete foi lecionar na escola que abriram na fazenda do pai dela, Seu Joãozinho Vieira, em Pequiá. Uma professora recém-formada, de Guaçuí, veio lecionar na nossa escola. Calculo que não sabia nada sobre a vida na roça, pois, certa vez, levou-nos para um piquenique onde encontraríamos com a escola da D. Arlete, nossa ex-professora, num lugar chamado Profunda, a uns dois ou três quilômetros da nossa escola. Colocou-nos em fila e tivemos que caminhar um atrás do outro como se fôssemos um pelotão do Exército. Não estávamos acostumados com fila de espécie alguma, pois na nossa escola nem desfile de Sete de Setembro havia. E, quando alguns alunos começaram a pedir pra sair da fila para irem ao banheiro, ou melhor, ao mato, ela disse que estávamos querendo comer a merenda antes do piquenique.
Não me lembro se passamos por alguém no caminho, ou se alguém perguntou onde estávamos indo. Mas, caso tenhamos passado, deve ter parecido estranho ver um grupo de crianças indo para um piquenique com aquelas caras tristes, como se fosse um pelotão de execução (ou melhor, a ser executado). A maioria de nós caminhava em passos pequenos, com as pernas apertadas uma contra a outra para evitar que o xixi saísse.
A certa altura, não aguentei mais, abri as pernas e simplesmente fiz xixi na calça. Tio Filadelfo, sendo apenas alguns anos mais velho do que eu, mas um defensor ferrenho dos sobrinhos, vasculhou todo o seu repertório de palavras feias para xingar a professora. "Feda..." Naquele momento, a professora se deu conta de que estava errada e não fez nada contra ele, simplesmente, mandou que o resto da turma, meninos para um lado e meninas para o outro, fosse procurar um matinho para aliviar a bexiga. Para mim, entretanto, era tarde demais. Eu e minha irmã Etelvina estávamos usando vestidos novos, estampados de roxo e branco, com gola marinheiro, que minha mãe fizera para a ocasião. Eu estava com a calcinha molhada e fedendo a xixi.
Quando chegamos ao local do piquenique, Dona Arlete estava chegando com a turma dela. Traziam folhas de palmeiras nas mãos e cantavam "Salve lindo pendão da esperança...", o Hino `a Bandeira. Nós estávamos invejosos e ao mesmo tempo tristes pelo que tínhamos perdido, nossa querida Dona Arlete.
No caminho de volta, nossa professora resolveu passar por um caminho diferente, por dentro da mata do tio Gil no Tinguaciba, para tirar fotografias. Tio Filadelfo não quis acompanhá-la. Voltamos direto para casa. Não demorou muito e o ano letivo terminou e aquela professora retornou para Guaçuí e não voltou no ano seguinte. A maior parte da minha infância, eu tive raiva dela. Depois vim a entender que ela estava tendo tanta dificuldade de adaptação quanto nós. Era uma professora novata, que veio lecionar numa fazenda, tendo que comer uma comida com a qual provavelmente não estivesse acostumada, sofrendo saudades da família, dos amigos e da vida da cidade.
Fora a escola, nossa maior responsabilidade como crianças, além de pequenas obrigações como varrer o terreiro, que era dividido em partes para cada um (Etelvina e eu varríamos a parte de baixo do assoalho da casa, que era alto), era brincar com os primos, Edenilza, Dalva e Gerval e outras crianças da fazenda. Na matinha nos fundos da casa do tio Gil, agarrados aos cipós, voávamos, por alguns metros. Para a cozinhadinha oficial com supervisão de adultos, na casa vazia onde o Zico e a Biró haviam morado, macarrão com as rolinhas que o tio Filadelfo matava com atiradeira e pelotas de barro. E latas vazias para cozinhar ovinhos miniatura, de galinhas velhas, no fogãozinho clandestino de tijolos que meu pai não permitia, pois tinha medo de que nos queimássemos, mas que o tio Filadelfo fazia assim mesmo para nós, debaixo do assoalho alto da casa ou na beira do rio.
Descer de canoa de palmeira (a que dá coquinho) pasto abaixo, quebrar coquinhos no toco que servia de escada para o quarto do tio Jenus (do lado direito da casa e que dava para o terreiro), caçar casas de aranha no barranco, umas construções interessantes, uns tubos parecidos com papelão com tampa, e tirar cera de uma abelha pequenininha que fazia uns tuneizinhos amarelos, rendados, na porteira que dividia o terreiro do pasto... O broto de capim tinha um gostinho adocicado e também servia pra fazer assobio...
De vez em quando, eu e Etelvina dormíamos na casa do tio Gil. Edenilza e Dalva, Etelvina e eu, atravessadas numa cama de casal, tampávamos nossas cabeças com o cobertor e ficávamos imaginando coisas fascinantes que estávamos vendo. O quarto escuro e o cobertor faziam com que nossos olhos criassem cidades iluminadas e outras imagens que desejássemos.
Quase sempre havia visitas, colegas de internato dos tios, que vinham nas férias, o pastor ou um rapaz chamado Adevalde, que vinha pregar na congregação batista, que funcionava na sala da casa ligada `a venda do tio Gil.
Pastor Ambrósio era muito bom e bastante liberal. Uma vez, deixou que experimentássemos o suco de uva que estava preparando para servir como vinho na ceia, normalmente oferecido somente para os adultos "membros de uma igreja batista da mesma fé e ordem”. Um idealista e grande benfeitor, fundou o Ginásio Rui Barbosa em Lajinha e o internato, para onde trazia também, muitos estudantes cujas famílias não podiam pagar pelos estudos.
Casa da venda do tio Gil (anos mais tarde, quando já não existia a venda) Adelina, já crescida, está na foto com o irmão Abel e os filhos |
Nós acreditávamos em Papai Noel. Num Natal, quando ainda morávamos na casa amarela, minha irmã Etelvina descobriu nossos presentes escondidos, máquinas de costura de plástico, muitos dias antes do Natal. Meu pai disse que o Papai Noel tinha entregado a ele os presentes para que ele nos desse no Dia de Natal.
Mas no próximo Natal, já na casa do vovô, resolveu nos contar a verdade sobre o Papai Noel.
Estava escuro naquela noite e eu me lembro de que estávamos assentados no banco da cozinha da fazenda. Uma luz que não sei se era de um carro pequeno, ia passando lá longe, na estrada e ele nos disse que eram os faróis da caminhonete do Papai Noel. Nós já havíamos deixado nossos sapatos atrás da porta do quarto para que o Papai Noel deixasse nossos presentes. Enquanto ele nos distraía com a história da caminhonete do Papai Noel, minha mãe saiu pela porta da cozinha e entrou pela porta da sala, colocando os presentes nos sapatos. Quando as luzes da estrada sumiram, meu pai nos chamou para irmos ao quarto para ver se o Papai Noel já havia deixado os presentes. Estávamos impressionadas, e eu, particularmente, meio intrigada acerca da caminhonete do Papai Noel. Afinal, eu não vira o farol vindo em direção `a nossa casa. Mas pensava comigo "carro de Papai Noel" é misterioso mesmo... Ficamos eufóricas com os presentes e ainda estávamos comparando o que havíamos ganhado, quando ele resolveu nos contar o truque usado pela minha mãe.
Aliás, na celebração de Natal feita no palco do lado de fora da venda, tio Joanilson vestiu-se de Papai Noel e as crianças cantavam uma musiquinha assim:" Sai daqui seu bobo, velho impertinente, fazendo vergonha no meio da gente."
Nas férias, sempre havia algum colega de internato do tio Joassi ou tio Joanilson passando dias na fazenda. E as sociais no terreiro da fazenda eram uma oportunidade para a moçada socializar e flertar e se deliciar com “Olha o macaco na roda” ou “Locomotiva deu apito dentro do meu coração, ora vamos pra estação... funda lata...” as brincadeiras dirigidas pelo Biguito (Altair), filho do Seu Alvino Heringer, sobrinho do Vovô Américo e dono da fazenda vizinha.
Uma outra coisa da qual eu gostava era de ir a Laranja da Terra, que não chegava a ser nem uma vila, `a pracinha, na Fazenda do tio Luizinho, irmão do Vovô Américo, o centro do córrego, onde havia o campo, com times de futebol de salão e vôlei, muito bons. Minhas tias gostavam de ver os primos jogando e sempre comentavam a respeito dos mais bonitos, que interessavam a elas. Na pracinha, a Igreja Presbiteriana, o consultório de dentista do Jerônimo Werner, a venda do Dionésio e o cinema do Ademar, os dois últimos filhos do tio Luizinho. Este cinema, com cadeiras dobráveis, grande novidade para quem nunca tinha ido ao cinema, não durou muito tempo, mas foi onde assisti ao meu primeiro filme. A farmácia do Seu Pedro Werner era mais acima, perto da tia Valmira e da Fazenda Flor da Mata, da tia Alzira, viúva do tio Lindolfo, irmão do vovô Américo também.
Aliás, estávamos cercados de parentes por todos os lados. No Tinguaciba morava a Eli, do Zé Braga, filha do tio Elói, que visitávamos de vez em quando.
Na Fazenda do Seu Alvino, cercada de casas dos filhos, Airle e Olívia, Adenir e Oziel, Abgair (Bêga) e Valderez, Altair (Biguito) e Maria José (tia Zeca) e Adair (tio Chico) e Lurdes, que moravam do lado da laje do rio.
Airle foi o primeiro a ter um automóvel em Laranja da Terra. Meu pai tinha um caminhão F6, tio Gil e tio Afonso tinham jipes de capota de aço. Mas no dia em que o Airle chegou na casa do vovô Américo com a família num automóvel, fiquei impressionada... Antes ele tinha uma motocicleta, que também era novidade...
Certa vez, depois que o tio João mudou-se para Belo Horizonte e gravou um LP daqueles grandes e pesados, fomos `a casa do tio Aurino e tia Ambrosina, cunhado e irmã do Vovô Américo, que tinham uma vitrola, para ouvir o disco. Lembro-me de que o primeiro hino da lista era "O Senhor é o meu pastor..." e começava lento, suave. Mas quando chegava na parte "...Ainda que eu ande no vale da sombra da morte, não temerei...", ficava forte, tão forte, mais forte, pela voz forte de tenor do tio João.
Estávamos mais acostumados a ir `a casa do tio Eloi, do tio Brilhantino, tia Alzira, tio Luizinho (na casa do tio Afonso fomos poucas vezes) do que no tio Aurino. Mas acabamos passando o dia por lá, conversando, comendo e chupando jabuticaba. Tio Aurino havia comprado uma máquina de lavar roupas e com o maior entusiasmo, mostrou-nos como funcionava. Colocou uma toalha para lavar e quando terminou a operação, deixou-nos tocar na toalha para ver como estava praticamente seca.
Casa de veraneio (em construção) do tio Aurino (Guarapari) |
Rejane, neta do tio Aurino, diz que o PP-RUA era do tio Aurino e o Magalhães pilotava. O PP-DIB do Adiel. O pai dela, Adilson, contava que eles desciam na praia do Riacho (em Guarapari) e rebocavam os aviões até em casa (tio Aurino e tio Elói tinham casas de veraneio lá). O PP RUA ainda está em uso e bem bonito, em Cabo Frio, R.J, para onde foi vendido.
Tio Jenus uma vez nos deu um susto muito grande. Estava dirigindo o caminhão, passando na curva da estrada logo depois do encontro do Córrego Laranja da Terra com o Fama, e o caminhão tombou uns dez metros até parar na laje de pedra, que cobria a maior parte do córrego naquela altura. Ouvimos um barulho enorme e saímos correndo para ver o que tinha acontecido. O caminhão estava todo estragado, mas, milagrosamente, tio Jenus tinha apenas alguns arranhões.
Minha mãe sempre reclamou que quando chegou o momento dos meus avós escolherem entre ela e o tio Jenus para mandar para o internato, para continuar os estudos, (em Laranja da Terra só tinha até `a quarta série), eles escolheram o tio Jenus. Mandar uma mulher para estudar, seus irmãos comentavam, poderia ser um desperdício de dinheiro, pois ela se casaria, teria que criar os filhos e não teria uma carreira. Então o tio Jenus terminou o curso científico e não sei ao certo se fez o vestibular para o curso superior. Sei que tinha o sonho de ser médico, e teve uma época em que consideraram mandá-lo para Portugal ou outro país da América Latina para estudar, mas nunca chegou a ir. Ao invés disto, voltou para casa, fez muitas inovações na fazenda e teve o acidente com o caminhão.
Tio Afonso, irmão do vovô Américo, cuja primeira esposa havia falecido, casara-se em segundas núpcias com D. Nila, que tinha um filho chamado Nelson, cuja esposa Terezinha foi professora em Laranja da Terra. Tinham um apartamento mobiliado em Belo Horizonte e, certa vez, uns ladrões chegaram lá com um bilhete, supostamente do tio Afonso, para os tomadores de conta, pedindo que abrissem o apartamento, porque eles estavam se mudando. Os ladrões lotaram os caminhões e levaram tudo, com a ajuda do casal, que ainda teve o cuidado de embalar a mudança direitinho para não quebrar nada.
Tia Ilca e tio Cincinato (eu fui a daminha) |
Vovô ficou meio desapontado, mas deixou a decisão para a tia Ilca, que se decidiu por se casar assim mesmo.
Certo dia, o namorado dela, Cincinato, ficou lá na casa do vovô até mais tarde e a Etelvina, com o seu expediente natural disse para ele: "Ô Cincinato, já tá na hora de você ir embora, está ficando escuro..."
Eu fui a dama de honra do casamento deles. Meu vestido era igual ao da noiva, mas, na cabeça, ela usava uma grinalda de flores de cetim e o véu e eu apenas uma coroa de florzinhas, também de cetim. Nas mãos, ela levava um buquê e eu uma flor, do mesmo material da grinalda e buquê, com as alianças. Um bonito bolo, docinhos colocados em forminhas de papel em forma de flor, bastante chique para um casamento na roça. Leitoa assada, recheada com farofa e enfeitada com azeitonas fincadas em palitos.
Não me lembro bem da cerimônia, mas acho que foi realizada no terreiro, pois me lembro de ter deixado as alianças cairem na escada de cimento da frente da casa, uma escada de uns dez degraus, com uma mureta que usávamos como escorregador.
O fotógrafo contratado, Seu Bramantino Segal, de Lajinha, não apareceu; havia chovido muito nos dias antes do casamento. Desta forma, não houve a tradicional fotografia dos noivos em frente ao pé de murta no final do terreiro, como nos casamentos da minha mãe e tia Elzina. Poucos dias depois, fomos a Lajinha no F6 do meu pai para tirar as fotos no estúdio do Foto Bramante, onde estivemos em outras ocasiões também. Seu Bramantino arrumava a gente em frente `a grande cortina, depois se escondia atrás de um pano preto da máquina de tripé, para tirar a foto. Tia Ilca era muito elegante e a foto ficou muito boa, apesar de todos, até eu, estarmos sérios. Parece que as pessoas não podiam rir para as fotos.
No caminhão, de volta para casa, começou a chover. Tia Ilca e minha mãe estavam na cabina com o motorista, meu pai. Eu só gostava de andar na carroceria com o resto do pessoal. Tio Cincinato, o noivo, estendeu uma lona para nos proteger da chuva, improvisando uma tenda. Zico, o empregado do meu pai que me resgatou quando caí da pinguela, e a filha dele, Lurdes, estavam no caminhão também. Zico estava meio embriagado e, de vez em quando perguntava pra ela: "Cê vai bem aí, Lurdinha?" Meu pai, muito crítico, aprendeu esta frase e, toda vez que queria saber se estávamos bem, perguntava "Cê vai bem aí, Lurdinha?"
Tia Ilca e tio Cincinato íam morar no Norte, no Córrego Azul, onde o vovô Américo havia comprado um sítio. Vários irmãos dela já moravam em Itabira, tia Elzina, tio Joel, tio Jeronil, além do Vovô Fildelfo e tio Reginaldo, pai e irmão da vovó Leonina, que foram os primeiros da família a irem para lá.
Eu gostava muito da tia Ilca e do tio Cincinato, e dizia que iria com eles. Tio Cincinato havia me dado uma foto três por quatro dele, que guardo até hoje, mais de cinquenta anos depois (tio Circinado ficou viúvo e depois que eu e outros primos, incluindo o filho dele Gladstone, já morávamos em uma república da família em Boston, ele veio morar conosco. Ele mesmo me contou os detalhes da história para colocar nas minhas memórias. Casou-se novamente com a nossa vizinha do andar de cima, Zenir Eller).
Tia Ilca tocava o hamônio e eu gostava de acompanhá-la e quando soube que ela não iria levar o harmônio consigo, achei um absurdo. Tia Elma e tio João também tocavam, mas eu sempre associei o instrumento com a tia Ilca.
Menos de um ano e tia Ilca voltou, não exatamente para visitar, mas para ter a Gláucia. Lembro-me das batas de grávida que usava, com saias, uma moda muito bonita. Tia Ilca era chique por natureza.
Também das sopas de galinha, feitas com farinha de milho por semanas a fio, que eram a norma para as mulheres que davam `a luz, na época, mas que toda a família comia. Hum... delícia...
O Pito Aceso
Durante o dia, com um pouco de esforço, podia-se ver a pequena casa de barro batido no topo da montanha, que ficava além do rio, ao longe, do lado da cozinha da fazenda. Mas era `a noite, quando tudo estava calmo, com a luz fraca do gerador, que podíamos notar melhor a habitação lá em cima, ou melhor, o ponto brilhante no meio da escuridão.
Houve um tempo em que uma mulher que morava no Pito aceso, era lavadeira da minha avó, que lá nascia uma água muito boa. Perguntei-lhe quem levava a roupa da fazenda pra lá, mas ela não se lembrava se os meus tios levavam ou se a mulher buscava. Se buscava, penso que devia ser numa carroça. E uma carroça bem grande, puxada por um animal bem forte...
Nunca cheguei a saber o verdadeiro sobrenome da família "Pescadô", uma vez que pescador era um apelido dado a eles por terem o hábito de pescar, não pescaria profissional, apenas uns lambarizinhos ou acarás (que chamamos apenas carás), no córrego, perto da casa deles. Eram uma família numerosa, que trabalhava para o meu pai, isto se trabalho pudesse ser uma metáfora para pescaria, pois estavam quase todo o tempo pescando, além de tomarem umas pingas. Um casal de idosos, três filhos casados e um punhado de crianças sujas e malnutridas, amontoados em duas casas no terreiro uma da outra.
Havia uma garota nesta família cujo nome era Tereza e minha mãe resolveu adotá-la. A família parecia estar contente de vê-la morando na casa grande da fazenda. Minha mãe e tia Edil apararam e pentearam os cabelos dela, deram-lhe um bom banho, cortaram-lhe as unhas, fizeram roupas novas para ela, compraram-lhe sapatos. Parecia que havia se transformado em outra pessoa. Tanto que a tia Edil sugeriu que lhe trocassem o nome. Decidiram-se por Rute, com o qual a menina não só concordou, mas passou a responder prontamente. A família passou a chamá-la de Rute, também.
Igreja Presbiteriana de Laranja da Terra |
Mas nem tudo muda de um instante para o outro.
Era o dia da inauguração do novo templo da Igreja Presbiteriana de Laranja da Terra, na pracinha, ou seja, na cabeceira do Córrego Laranja da Terra, onde havia o povoado.
Quando chegaram `a igreja, minha mãe pegou a Rute para ajudá-la a descer da carroceria do caminhão. Meu pai, que estava em baixo, esperando para pegá-la, fez a maior careta, deixando minha mãe intrigada. Meu pai cochichou no ouvido da minha mãe... A garota não tinha costume de usar roupa de baixo e, apesar do vestido novo, não havia colocado a calcinha. O vestido era compridinho e como minha mãe não havia trazido roupas extras para a menina, ela continuou como estava.
Pouco depois, a família foi assistir a um culto na casa do vovô e a irmã dela roubou carne seca. Mas, na hora de ir embora, não pode levar e escondeu debaixo do assoalho.
No dia seguinte, o cachorro achou a carne seca. A Rute, que sabia do fato, contou que a irmã tinha pegado.
Rute não ficou muito tempo lá em casa, nem conservou o nome, depois que a família a levou de volta para a casa deles. Mudaram-se e nunca mais ouvi falar dos "Pescadô".
Mas antes de se mudarem, outro episódio aconteceu. Certo dia, estava amanhecendo, quando dois irmãos Pescadô chegaram na casa do vovô chamando "Sô Amerco!!! Sô Amerco!!!".
Vovô acordou assustado e consequentemente todos os da casa, para verem os "Pescadô" segurando um homem que morava na vizinhança, alto e forte, com as mãos para trás, a boca sangrando pelos socos que recebera.
"Esse safado tava robano galinha no terrero do Sô Gil."
Mostraram uma corda de pião e uma sacolinha de milho, que, segundo eles, o homem estava usando para pegar as galinhas. O homem era J.D., cuja primeira letra, o J, é a primeira letra do seu nome e o D, a primeira letra do apelido, que significa forte e lhe fora dado pelo fato de ter tanta força, que parecia poder desdobrar qualquer um em queda de braço. Mas, tal força, parecia não coincidir com sua capacidade mental limitada. Por isto, além de trabalhar, por vezes roubava.
Ficamos todos extremamente chocados com a cena. Vovô Américo simplesmente pediu que largassem o homem, não sem antes aconselhá-lo a que não roubasse mais. Nunca soube que o fizesse depois disto.
Meu avô contava que um sobrinho dele tinha um cachorro que ficou doido e mordeu uma menina que morava na fazenda dele. A menina teve que ser morta com uma injeção. Depois disto, ele tomou pavor de cachorros e todos os sem dono que apareciam por lá, ele mandava matar e plantar um pé de café por cima da cova. Fez uma "lavoura de cachorros".
De vez em quando, quem passava na fazenda, ou víamos na estrada, era o João Bico, um rapaz de lábios grandes e prominentes, que morava na casa do Alberto Heringer, filho do tio Lindolfo Heringer, muito bom e caridoso. João Bico também tinha problemas mentais e andava empurrando uma carrocinha. Tinha muito medo da "captura", nome que davam `a polícia na época.
Outro que, para mim, se tornou um personagem legendário, foi o Seu Sinfrônio. Perdera uma mão quando soltava um foguete e usava uma capinha de couro para proteger o cotoco do braço. O modo como meu pai se referia a ele para nos advertir dos perigos de soltar foguetes, fazia-nos pensar nele, não como um ser humano normal, exceto pela falta da mão, mas como um símbolo da má sorte, originada na imprudência. Para mim, não importava se ele tinha uma outra mão, dois pés, dois olhos, dois braços, uma cabeça... Nem se era bom ou mal, se tinha esposa ou filhos, se trabalhava, mesmo tendo apenas uma mão. Via-o apenas como o símbolo da imprudência, mesmo que o seu ato tivesse ocorrido muitos anos atrás e já tivesse amadurecido tanto que nem soltasse mais foguetes. Ou, se o fizesse, tomasse bastante cuidado.
Dia de Finados
Dia 2 de novembro, o "Dia de Finados", era um dia de emoções controversas para mim. A excitação começava logo cedo, quando colhíamos flores, fazíamos os buquês, tomávamos banho e trocávamos de roupa. Depois caminhávamos a pé mais ou menos um quilômetro e meio até o cemitério na Fazenda do Seu Alvino, sobrinho do Vovô Américo. Era excitante ouvir as histórias de parentes que tinham vivido num outro tempo, muito tempo atrás, de quem talvez nunca teríamos ouvido se não fosse pelo Dia de Finados.
Por outro lado, era triste lembrar os que haviam morrido recentemente, como a Vovó Leonina. Vovó Etelvina, mãe do meu pai e o Tio Osvaldo, irmão, haviam falecido também, todos dois de câncer no intestino, dois dias de diferença um do outro. Sentia tristeza por nós e por todos os que tinham saudades deles, especialmente do tio Filadelfo, que perdera a mãe, vovó Leonina, com apenas sete anos de idade.
O cemitério estaria capinado e as poucas catacumbas pintadas de novo. Seu Altivo Maria, o regente do coral da congregação, que morava perto do cemitério, recolhia dinheiro dos fazendeiros para capinar o cemitério e pintar as catacumbas dos parentes daqueles que desejassem.
A maior parte das sepulturas eram apenas montes de terra como se fossem barrigas grávidas, quase todas com uma cruz de madeira na cabeceira, algumas com o nome e a data de nascimento e morte da pessoa ali sepultada.
Havia duas catacumbas de cimento, grandes, bastante antigas, uma no alto do lado esquerdo do cemitério era a do Tio Lindolfo, irmão do Vovô Américo; a outra do lado direito, do Vovô Alvim, pai do meu pai, que morrera muito antes de eu nascer. Vovó Etelvina fora enterrada na mesma catacumba, a coroa de flores metálica, que ainda era nova, enfeitava a catacumba.
Havia apenas uma catacumba de azulejos pretos, a do tio Osvaldo, que tinha também uma coroa de flores metálica igual `a da vovó. Tia Nair, a viúva dele, já deveria ter vindo ao cemitério, pois a catacumba dele estava cheia de flores, os azulejos bem lavados. Tia Nair, como sempre, tinha a casa mais limpa e o jardim mais bonito da região.
No mesmo ano em que Vovó Etelvina e tio Osvaldo morreram de câncer, perdemos uma prima, a Maria Etelvina, filha do tio Astrogildo, de câncer no olho. Lembro-me de vê-la com o olho arroxeado e inchado, chorando no colo do pai dela. Interessante é que, se sua sepultura estava ou não naquele cemitério, não sei. Talvez tivesse sido enterrada em outro cemitério.
Do lado esquerdo da sepultura do tio Osvaldo, ficava a do Clair, filho da tia Valmira, irmã do meu pai, que morrera com doze anos num acidente de carro. Foi um acontecimento muito triste. Ele e os irmãos haviam acabado de chegar do internato em Alto Jequitibá.
Mais abaixo, no centro do cemitério, três catacumbas caiadas de branco, uma grande no centro, da Vovó Leonina e duas pequenas dos lados, dos filhos do tio Gil que morreram de doenças infantis. Gediel, o garoto, era mais ou menos da idade da Etelvina, minha irmã; Edinéia, a menina, um pouco mais nova.
`As vezes, eu ficava intrigada porque quase todos os tios e tias haviam perdido algum filho para o sarampo ou verminoses e a minha mãe e meu pai, não. Nunca tiveram um filho que nascera morto ou um aborto, o que parecia a história de quase todas as casas na época. Além de terem uma família pequena, apenas três garotas, meu pai, que vivera no Rio de Janeiro por muitos anos, tinha seus próprios meios anticoncepcionais (depois fiquei sabendo que usavam tabela) e era muito preocupado com a saúde. Ele nos tratava com homeopatia, remédios sem gosto de nada, apenas umas gotinhas parecidas com álcool numa colher de água. Acônito, briônia, beladona, ipecacuanha. Também estava alerta para qualquer sinal de febre alta ou "ataque de bichas", como se chamava quando as lombrigas atacavam. Certa vez, um filho de um tio já estava ficando roxo, se asfixiando pois as lombrigas haviam se juntado na garganta dele. Meu pai pegou uma colher, abriu `a força a sua boca que estava travada e colocou uma solução de hortelã amassada garganta abaixo, salvando-lhe a vida.
Tio Gil mandara cortar pedras de mármore com os nomes gravados para colocar sobre as catacumbas da vovó Leonina, do Gediel e da Edinéia, mas as pedras ficaram muito grandes para as catacumbas e continuavam por muito tempo atrás de um móvel na casa dele.
Andando de cima abaixo no cemitério, colocando flores sobre as sepulturas, ouvindo histórias dos mortos e da causa das mortes, chorando por eles, me fazia sentir bem. Penso que a tendência masoquista, a atração pelo lado dramático da vida, o gosto pela tragédia, comuns `a natureza humana, me faziam voltar para casa uma criança feliz, ansiosa para que chegasse o próximo Dia de Finados para voltar ao cemitério.
Viagem a Belo Horizonte
Tio João havia se mudado para Belo Horizonte para continuar os estudos no Colégio Batista. Acabou comprando uma pensão e levou a tia Elma e a Maria Veríssimo para trabalhar lá.
Maria Veríssimo havia sido empregada da vovó Leonina e babá do tio João, e mesmo depois que se casara com o Zé Rita (José, filho de uma mulher chamada Rita), bem mais novo do que ela, e alcoólatra, continuara morando na fazenda e trabalhando para a vovó. Por vezes, quando Maria se cansava dos abusos, separava-se dele e vinha morar dentro da casa do vovô novamente. Ela também gostava de uma pinga, mas nunca bebia para ficar bêbada.
Numa destas épocas em que estavam aparentemente separados de vez, tio João a levou para trabalhar na pensão e mesmo depois de ter vendido o negócio e entrado para o DI (Departamento de Instrução) da Polícia Militar, ela continuou trabalhando para ele, no apartamento que dividia com colegas. Maria adorava uniformes militares, especialmente os da Banda da Polícia Militar, que ela chamava de "musgueiros" (fazedores da música). Maria cozinhava muito bem, fazia uma carne assada deliciosa e era bastante vaidosa, tendo o cuidado de ir ao salão de vez em quando alisar os cabelos.
Na época em que tio João tinha a pensão, meu pai resolveu nos levar para conhecer Belo Horizonte, mais ou menos uns trezentos e cinquenta quilômetros de distância. Pegamos o ônibus para Manhumirim e o trem da Leopoldina para Manhuaçu, uma novidade, pois era a primeira vez que andávamos de trem. Ficamos hospedados no Hotel Zapalá. Etelvina, muito curiosa, estava mexendo nos arranjos de flores e foi repreendida pela dona do hotel.
`A noite, fomos visitar o tio Quinquim e a tia Lia, irmão e cunhada da vovó Etelvina, mãe do meu pai, que moravam na Rua Monsenhor Gonzalez, em Manhuaçu. (Na volta de Belo Horizonte, lembro-me de que visitamos o tio Luciano e a tia Maria, irmão e cunhada do vovô Américo em Manhuaçu também).
No dia seguinte, pegamos o ônibus para Belo Horizonte. Estávamos acostumadas a viajar mais ou menos a mesma distância quando íamos visitar os tios que moravam no Norte, em Itabira (mais tarde Itabirinha, para diferenciar de Itabira do Mato Dentro) mas era por estradas poeirentas e pequenas cidades.
Vestido da Clarinda com bordado da cantiga do Sabiá |
Meu pai se tornou amigo do sírio-libanês que havia vendido a pensão para o tio João, o Seu Tufi, e foi na casa dele que fomos apresentadas pela primeira vez a um caixote falante com tela arredondada, a televisão. Minha irmã Etelvina, não podendo conter a curiosidade, colocou a mão na tela e foi olhar lá atrás da televisão para ver de onde saiam aquelas imagens.
Uma coisa que me intrigava, mas que não perguntei pra ninguém, era como os sinais de trânsito sabiam quando vinham carros de um lado ou do outro para ficarem verdes ou vermelhos. Na minha cabeça, tinha a impressão de que o sinal obedecia ao fluxo de carros e não o oposto.
Adicionar legenda |
Um professor por natureza, e tendo morado no Rio de Janeiro por oito anos enquanto servia o Exército, meu pai queria nos mostrar tudo o que pudesse. O Parque Municipal com os balanços e pedalinhos, o Aeroporto da Pampulha, o Zoológico, onde fiquei impressionada, não com o leão ou o tigre, ou a zebra, mas com um animal que achei horrível: o macaco mandril, com a sua bunda vermelha que eu nunca esqueci.
Levou-nos para andar de bonde, de trolleybus (ônibus elétrico, de suspensório), a uma Feira de Amostra de Pedras Preciosas e até a uma granja de galinhas, com incubadoras e todas as galinhas brancas, bem diferentes das galinhas do nosso galinheiro na fazenda.
O único lugar onde meu pai levou apenas minha mãe, foi ao Museu de Cera, pois não era permitida a entrada de crianças. Eu, muito mimada, reclamei que crianças deveriam ter os mesmos direitos dos adultos. Quando cresci e fui ver um Museu de Cera, as deformidades e abnormalidades mostradas em cera me fizeram querer que ele fosse proibido para adultos também.
Fomos, também, `a casa de uma prima da minha mãe, Iraci, professora e funcionária do Ministério da Educação, casada com um Engenheiro Agrônomo, escritor e político, Abdênago Lisboa. Quando chegamos, ele perguntou ao meu pai como tinha conseguido achar o endereço naquela cidade grande. Meu pai não respondeu, mas depois falou conosco que um peixe acostumado a nadar no oceano, não se perderia num córrego. Morara no Rio de Janeiro por oito anos, e Belo Horizonte para ele era fácil. O homem continuou perguntando para a esposa dele se minha mãe, a prima, também era das "locas" onde ela havia nascido (Laranja da Terra). O resto da tarde, entretanto, nos tratou muito bem e amigavelmente, e Iraci serviu um jantar delicioso. E a sua falta de cortesia parecia ser só a casca, pois a sogra dele, tia Verônica, irmã do vovô Américo, morava com eles.
Mas, anos mais tarde, quando estávamos morando em Itabirinha, ele esteve lá, fazendo campanha política para Deputado Estadual e chegou `a nossa casa. Foi bem recebido e também eleito, mas duvido que tenha ganhado votos dos parentes caipiras.
Trouxe de volta revistas "Nosso amiguinho", um tesouro. Agora teria muito mais para ler do que apenas a Revista Jóias de Cristo (da congregação), os livros da escola, o Almanaque, a revistinha do Jeca Tatu que vinha com o Biotônico Fontoura e o grosso Dicionário Lello Ilustrado do meu pai. (Mais tarde, descobriria os livros guardados na gaveta do guarda-roupa com espelho do lado de fora, um livro sobre o Duque de Caxias e a Guerra do Paraguai, alguns romances de Machado de Assis, e "Eles também são humanos", de Himain Lacerda, um autor que estivera na congregação. Na mesma gaveta, a caixinha do pesado anel de ouro com as suas iniciais, NFG, Norival Fortunato Gomes e algumas fotos antigas, de colegas do Exército ou cartões e fotos de ex-namoradas. Minha mãe nem se importava com os últimas.
Essa viagem a Belo Horizonte foi uma das mais importantes excursões educacionais que eu já tive. Só uma coisa meu pai se esqueceu de explicar para nós. Pelo menos não explicou antecipadamente. Foi quando estávamos indo para Belo Horizonte. A estrada estava em obras, havia escavadeiras e tratores trabalhando e, a uma certa altura, perto de Abre-Campo, um cheiro forte de alcatrão. Minha irmã Etelvina, sempre a primeira a ver e fazer as coisas, vendo que estavam passando um rolo em cima de uma camada grossa de um material preto e brilhoso, perguntou para minha mãe o que era aquilo. Minha mãe também não sabia. Ela só fez "sh... sh... sh..." com medo de que alguém ouvisse a conversa. Então, perguntou ao meu pai, que explicou para ela e para nós que aquela coisa preta era chamada asfalto. O ônibus começou a rodar muito mais suavemente daquele ponto em diante.
Mudança para o Norte (Norte do Rio Doce)
Ainda com escuro, o caminhão se afastava de mansinho. O vovô, a Margarida e o tio Filadelfo ficaram no terreiro... Etelvina e eu de calças compridas, eu feliz por ter convencido meu pai a deixar-nos usá-las. Mas com um nó na garganta...e os olhos marejados de pena do nosso Tio Definho.
- História dos Ancestrais - Miscegenação-
Sua filha Maria (Lilica, mãe do Juca), que estava no internato, teve que deixar a escola e voltar para casa. Narrava estes fatos aos filhos, com grande ressentimento da pessoa que pegara a assinatura do pai fraudulentamente, e dos R, compradores de café com que o pai negociava.
Vovô pediu ao Seu Alvino Heringer, apenas três meses para se mudar, enquanto construía um rancho numa terra que tinha no Córrego Laranja da Terra . Lá construiu tudo novamente, moinho. monjolo, lavouras de café e e um sobrado... Quando nasci, ele já havia falecido, mas, quando criança, eu gostava de deitar no assoalho da sala grande no segundo andar e ficar admirando as fotos nas paredes e ouvindo o relógio de carrilhão, marcando as horas e cantando “Hora certa, hora certa”...
Alguns anos atrás, minha prima Mariza, que queria conseguir a cidadania italiana, foi, juntamente com meu irmão Fábio, procurar o assentamento do nascimento do Vovô Alvim, em Divino de Carangola, mas a igreja onde tinha sido batizado não existia mais e os arquivos haviam sido transferidos para a matriz em Carangola. Mas alguns dos livros transferidos haviam se extraviado, incluindo o do ano em que o Vovô Alvim nasceu.
Transcrição do Artigo sobre o Comendador Leite na Revista de Lajinha
Francisco Tomaz Leite Ribeiro, este era o nome verdadeiro do Comendador Leite. Alguns registros históricos que encontramos na Prefeitura, Câmara e Escolas de Lajinha, acrescentam Aquino ao seu nome, porem nos autos do Inventário dos Bens deixados por seu pai, está bem claro que seu nome não era em homenagem ao Santo Tomaz de Aquino. O nome Aquino é, na realidade, patronímico usado por alguns descendentes da tradicional família Leite Ribeiro.
Conforme informações precisas do Professor Armando Vidal Leite Ribeiro, o Comendador Leite era filho do Capitão Antônio Leite Ribeiro, nascido em São João Del Rey, no ano de 1773 e falecido em 16/05/1848 em Nazaré, na Fazenda “Ribeirão do Fundo”. A sua mãe chamava-se Bernardina Constança de Barros. O inventário dos bens do casal foi requerido em fevereiro de 1856, ora recolhido ao Museu Histórico e Artístico de São João Del Rey.
O Capitão Antônio Leite Ribeiro, pai do Comendador Leite, era filho do Sargento Mor Joseph Leite Ribeiro e dona Escolástica Maria de Jesus. O Sargento Mor Joseph Leite Ribeiro era natural de Santa Eulália do Barroso, Termo de Guimarães, Arcebispo de Braga – Portugal, onde nasceu em 1723. Casou-se em 1764 e faleceu 04/10/1801, em São João Del Rey.
Foram seus pais: Francisco Leite Ribeiro e Isabel Ferreira, nascidos e falecidos em Portugal.
Os estudos genealógicos da Família Leite Ribeiro, chegam a Theodoredo – quarto Rei Visigodo da Espanha, eleito em 419 da Era Cristã, no ano 451. A geração de nobres é extensa e chega a D. Sancha, Rainha de Leão e seu marido, D. Fernando, primeiro rei de Castela.
Já a árvore genealógica de Dona Escolástica Maria de Jesus Moraes, avó do Comendador Leite, passa pela Espanha e Portugal e remonta a Dom Fernando e sua quinta mulher, Dona Isabel de França.
A família abrange a mais variada coleção de patronímicos, mas onde predominam Leite Ribeiro, Ribeiro Leite, Vidal Leite Ribeiro, Ribeiro de Almeida, Teixeira Leite, Leite de Barros, Ferreira Leite, Leite do Vale, Leite Guimarães, Aquino Leite. Os estudos sobre a família são extensos e vários livros se ocupam do assunto. Autores consagrados, como Armando Vidal Leite Ribeiro e Afonso E. de Taunay nos legaram informações preciosíssimas.
Como vimos, Comendador Leite era descendente de importante família, pioneira e fundadora de diversas cidades em Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. Contudo, o insigne Comendador da Ordem de Cristo, deixou imensas fazendas de sua família e os tios Barões e Baronesas, Condes e Condessas do Brasil Império para se aventurar por terras cobertas de matas e iniciar, com seu suor, um trabalho que se estenderia por mais de um século, até chegar `a nossa geração.
Comendador Leite era o sexto de uma prole de treze irmãos, todos portadores de títullos, honrarias e propriedades, de extensas glebas de terras em Minas e Rio de Janeiro.
(Texto extraído do original editado pelo Jornal Conunicatto, de Iúna, Espírito Santo, Roberto Carlos Scardini Justo Marcondi, advogado, professor e historiador.
(Ilustração: foto com a seguinte legenda: José Leite Ribeiro, filho do Comendador Leite)..Apesar do artigo na revista dizer que ele pertencia `a Ordem de Cristo, minha intuição e pesquisa me levam a pensar que é Ordem da Rosa. A Ordem de Cristo é muito antiga (1319). Segundo a Wilkipidia "A Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo originalmente era uma ordem religiosa e militar, criada a 14 de março de 1319 pela bula pontifícia Ad ea ex quibus cultus augeatur do Papa João XXII, que, deste modo, atendia aos pedidos do rei Dom Dinis. Recebeu o nome de Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo ou Ordem da Milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo e foi herdeira das propriedades e privilégios da Ordem do Templo".
Abotoadura Comendador Leite, uma moeda de 250 réis. |
Vaso de cerâmica do Comendador Leite, para guardar água (60 litros). |
Perguntei-lhe se sabia os nomes dos genros do Comendador Leite, pois no site Wilkpeida, sob o título História de Lajinha consta que "Segundo a tradição, foi Francisco Mateus Laranja quem dirigiu os trabalhos de derrubada da mata onde viria a crescer o povoado. Em 1910, o desbravador, junto com José Lucas de Barros, recebeu de Antônio Pedro Garcia, genro do Comendador Leite, um alqueire de terra onde foi erguida uma capela em honra a Nossa Senhora de Nazaré." Ele disse que também não sabia. Mas que Lajinha se chamava Angola, pois tinha muito Capim Angola (Shirley pode ter confundido quando disse que Lajinha se chamava Capim Gordura antes de se chamar Lajinha) e que o Rio S. Domingos não era drenado no local. O Comendador mandou que os escravos drenassem o rio e então apareceu a laje, que deu origem ao nome Lajinha. Pediram `a viúva um pedaço de terra no Areado e ela disse que dava na Angola.
Joaquim Gomes Coelho - Vovô Quinca Silvestre
Nota: Depois de uns quarenta anos sem ver, encontrei me no Facebook, com a filha da D. Efigênia Rodrigues de Oliveira (prima da minha avó Etelvina), Sebastiana de Oliveira Ferraz, residente joje em Espera Feliz, a qual me deu várias informações sobre a Família Gomes (primos da Vovó Etelvina). Disse me que a D. Maria Rodrigues, que eu pensava ser prima do meu pai, era viúva de Antônio Rodrigues, este irmão da mãe dele, Efigênia, e primo da Vovó Etelvina. Conheceu o Aristes (Aristides), Titina (Ernestina) e Sinhá (Efigênia, também), mas não sabe de quem eram filhos. Sebastiana teve dois irmãos, Maria e José. É viúva de José Gomes Ferraz e tem os seguintes filhos: Maria de Fátima, Cleone e Lourdes, José Francisco, Ieda, Luciana e Luciene.
Joaquim Gomes Coelho e filhas Etelvina (mãe do meu pai),
Joaquina (tia Quininha),
mãe de Nilton Gomes (Bililim) e tia Maria (mãe do Seu Júlio Vieira e
Tarcília)
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Caderneta de Anotações do meu bisavô Joaquim Gomes Coelho
O filho do primo do meu pai, Júlio Gomes Domingos, filho do Jojô (José Joanez Domingos) e da Leinice Vieira Gomes, me enviou o documento abaixo. Seus pais são primos, ambos descendentes do vovô Quinca (Joaquim Gomes Coelho) e a Leinice conserva uma cadernetinha dele, que o pai dela, Seu Júlio Vieira Gomes, filho da Maria, recebeu do avô e guardava com muito cuidado. Eram as anotações de todos os eventos importantes na vida dele.
"Faleceu o meu sogro Francisco Thomas Leite Ribeiro no dia (ilegível) de janeiro de 1893". |
Casamento do Tio Dedé e Tia Zilpha
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Vovô Quinca, com o neto Sidney, tio tio Brilhantino, com as netas Eny e Carmelita (descalço), Vovô Américo (de terno escuro perto do Vovô Quinca. |
Tio Elói, Vovô Américo e tio Brilhantino |
Vovô Américo e vovó Leonina
no Rio de Janeiro (anos 20)
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1. 1Maria de Freitas (b. 11/06/1869 em São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, RJ)
2. Ana de Freitas (b. 22/08/1870 em São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, RJ)
3. Cândida de Freitas (b. 24/06/1872 em São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, RJ)
4. Joana de Freitas (b. 31/08/1873 em São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, RJ)
5. Georgiana Alves de Freitas (n. 12/08/1874 em São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, RJ; m. 1948 em Iúna, ES)
6. Filadelfo Mariano de Freitas (n. 07/12/1875 em São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, RJ; m. 02/04/1967 em Itabirinha de Mantena, MG)
7. Júlia Cândida de Freitas (n. 28/11/1881 em Carangola)
8. Teodora Cândida de Freitas
9. Leonora de Freitas
10. Micaela de Freitas
11. Otaviano de Freitas
12. Nestora Adriana de Freitas (n. aprox. 1890)
13. Rafaela de Freitas
14. Antenorgenes de Freitas (n. 16/07/1894 em Carangola, MG (?); m. 10/09/1963 em Governador Valadares, MG)
Minha mãe contava que os seus pais tiveram muita dificuldade em manter uma vaca leiteira para tratar das crianças, pois na época, havia tantos mosquitos que o animal não resistia e morria. Passaram a criar uma cabrita, amarrada perto da casa, para tal fim. Tia Elzina contava que ela e o tio Gil tiveram uma babá por nome Maria José, que tinha o apelido de Bezé.
Vovó Arminda e tio Reginaldo (filho dela)
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Alcino, Vovó Arminda e Vovó Leonina
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Tia Verônica, Vovó Arminda | e Vovó Etelvina |
estão no Rio de Janeiro, muito elegantes, de chapéus.
Norival Fortunato Gomes, meu pai, foi escolhido para o Batalhão de Guardas Presidencial. Apenas os de boa aparência e com certa classe eram escolhidos. |
Batalhão de Guardas Rio de Janeiro (Meu pai, Norival, no meio, em pé) |
Casamento dos meus pais (Erandi e Norival) 1952 |
Eu (Leonina) aos seis meses de idade, com meu bico vermelho de balãozinho |
Início da Imigração Alemã para o Brasil - História dentro da nossa história
Nova Friburgo
https://raibert-friburgo26.blogspot.com/p/heringer.html
Muller, Armindo L - O Começo do Protestantismo no Brasil
https://raibert-friburgo26.blogspot.com/p/heringer.html
Propaganda do Navio Argus,
embarcação de bandeira neutra
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Lista parcial (I) dos passageiros do Argus que foram para Nova Friburgo
(Philip listado como Phil e Jacob como Jacques)
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Lista parcial(II) dos passageiros do Argos que foram
para Nova Friburgo
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Famílias de Jacob Heringer e Philip Heringer que chegaram ao Brasil no Navio Argus em 1824 |
Sobe em 19.05.1824 com a seguinte carta do paço: ...tendo sido presente a SM, o Imperador, a súplica do colono Jacob Heringer, considerando-se o mesmo augusto senhor do estado de abandono que ele ficará nesta corte com sua família, e esperando, ao mesmo tempo, que daqui por diante procurará corrigir sua conduta, manda SM Imperial ..., fazendo primeiramente constar ao referido colono qual foi a causa de sua expulsão da colônia, o haja de outra vez admitir aos mais colonos para ser contemplado com o subsídio que lhes tem concedido“; casa 98; colono nos lotes 96/97, Ribeirão da Boa Esperança.
Lapidação de pedras em Idar-Oberstein no século XIX |
Quadro de pintor não identificado retrata a Vila de Nova Friburgo ao tempo da colonização suíça e alemã |
Uma região de pedras preciosas por 500 anos, |
Do livro de Berenice Heringer "Os Argonautas consta que os membros fundadores (num total de 60) da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá (em 9 de março de 1902) pertencentes `a Família Heringer foram:
Frederico Jacob Heringer e esposa Luiza Miller Heringer, Emília Catharina Heringer César, João Carlos Heringer, João Pedro Heringer, Margarida Heringer, Francisca Heringer, Eduardo Alfredo Heringer, João Jacob Heringer, Olina Heringer de Faria, Pedro Nolasco Heringer, Maria Graciana Heringer, Magdalena Elizabeth Heringer, Pedro Honorato Heringer, Eugênia Amélia Heringer.
"Escritos Esparsos" de Alvelina Heringer, minha tia avó |
Casa de João Carlos Heringer em Alto Jequitibá |
Reverendo Aníbal Nora e esposa D. Constância Lemos |
Rev. Cícero Siqueira e esposa D. Cecília Rodrigues Siqueira |
Inauguração do Gymnasio Evangélico em 1922 |
Edifício João Carlos Heringer e alojamento nos primeiros anos do
Colégio Evangélico
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Foto de João Carlos Heringer, no Museu do Colégio Evangélico em Alto Jequitibá |
Parte III- Itabira (hoje Itabirinha, Minas Gerais)
(Fontes: "Acordo de Bananal..."(Artigo de Edivaldo Machado Lima no site http://vozdabarra.com.br,), manuscrito do meu pai, Norival Fortunato Gomes, que liderou a Barricada para evitar a saída de caminhões carregados com parte da Serraria do Sr. Alvino Heringer; entrevista com Abgair Heringer, Sr. João Viana, farmacêutico em Itabira, entre outros).
Pedreira em Itabira |
Sem ter nenhum conhecimento do ofício, meu pai contratou um torneiro especializado, “Seu Pedro Mecânico”, para trabalhar de sociedade com ele. Acabado o serviço da montagem da usina, Seu Pedro acabou voltando para Aimorés, de onde tinha vindo.
Pedra da Boneca |
De trás p a frente:Jesonias, tio Joanilson, Alair, Adalmário, Adirlei (em cima), Eniuza, Elce, Eloilda (no para-lama). Assentadas: Léia, Américo, e Gilza. |
Segundo o jornalista Edivaldo Machado Lima, no seu artigo de 11 de março de 2013, no sitebarra.com.br "Em 1914 a briga foi parar no Supremo Tribunal Federal, com nomeação de árbitro para decidir a questão (Juízo Arbitral instalado entre as Províncias do Espírito Santo e Minas Gerais para o deslinde de limites na região dos Vales do Rio Doce e Mucuri, cuja sentença foi proferida em 30.11.1914) . Os dois Estados se comprometeram a acatar o laudo arbitral, mas, para os capixabas, o laudo atendia muito mais aos interesses de Minas. Conclusão: a confusão continuou. Os capixabas não estavam para brincadeira, pois,
como Advogado, contrataram o maior de todos, Rui Barbosa (ao lado, foto da assistência que ouviu a sentença do Tribunal Arbitral, resolvendo o caso de limites entre Minas e Espírito Santo), que acompanhou os trabalhos da Comissão de Arbitragem. O laudo fixou uma linha divisória que só serviu para acirrar mais ainda os ânimos, porque muitos dos acidentes geográficos nele mencionados tinham nomes diferentes para os mineiros e para os capixabas. Como exemplo, a “Serra dos Aimorés”, a “Serra do Souza”, a “Serra de Pancas”, a “Serra do Norte”, o “Córrego da Boa Vista”, o “das Águas Claras”, o “Córrego Peixe Branco” e tantos outros. Cada parte, de acordo com seus próprios interesses, indicava local bem diferente para o referido acidente geográfico".
Fazenda dos tios Joel e Jeronil (engenho de cana, mais próximo, e serraria ao fundo) |
Ônibus da Viação Águia Branca (motorista José Gomes de Freitas, Zé Miguel) |
Lembro-me de que o Sargento Manoel, da Polícia Capixaba era casado com a D. Marcionília e tinha vários animais no quintal, inclusive uma tartaruga. E do Cabo Levi, filho do Seu Pedro Marcolino, que também era da Polícia Capixaba.
Comício do candidato a governador do Espírito Santo, Francisco Lacerda de Aguiar, com a bandeira do estado na frente do palanque (ao fundo, cartório mineiro, na época, 1962). |
No período entre uma eleição e outra, nenhum político viria visitar, e quase nada seria feito em prol do lugar, nem por um estado, nem pelo outro.
Não havia rede de esgotos em Itabira. Algumas casas tinham fossas; graças a Deus a nossa, alugada do tio Reginaldo, irmão da vovó Leonina, que tinha um posto de gasolina em Itabira, se incluía nestas, com vaso sanitário no banheiro. Mas, muitas casas tinham apenas uma casinha de tábua, no fundo do quintal, com pernas de mais ou menos um metro de altura, e um buraco no meio do assoalho, onde se fazia as necessidades. Os porcos que andavam debaixo destas latrinas, comiam os excrementos. Depois passeavam soltos pelas ruas poeirentas, com suas caras e costas sujas e fedorentas, obrigando as pessoas a se desviarem deles.
Esquina dos Aflitos |
Cortejo fúnebre composto de crianças |
Segundo o artigo "Acordo de Bananal..."(de Edivaldo Machado Lima, no site http://www.vozdabarra.com.br/acordo-bananal-barra-de-sao-francisco-x-mantena-50-anos-de-paz-15-09-2013/ (de Barra de S. Francisco, E.S.) "... a região sofria muito com a duplicidade de jurisdição: dois cartórios, dois postos fiscais, dois padres (um mineiro e outro capixaba), dois juízes, duas guarnições policiais..." E acrescenta: "Conta-se que os capixabas construíram um Posto Fiscal lá no Alto São José (hoje município de Mantenópolis/E.S.), mas, que a Polícia Mineira nunca permitiu que funcionasse plenamente. A Polícia Capixaba mandava o fiscal abrir o posto, mas a Polícia Mineira garantia a passagem dos caminhões emplacados em Minas Gerais, carregados de café, aves ou madeira, sem a obrigatoriedade de "parar" e "pagar" o imposto aos capixabas. Todavia, se a placa do carro fosse do Espírito Santo, aí podia cobrar imposto `a vontade".
Sobre ter dois padres (um mineiro e um capixaba), não me lembro deste detalhe em Itabira. Lembro-me apenas que minha irmã Clarinda, que sempre era convidada para ser daminha de honra das noivas, teve que ir, `as pressas, `a Igreja Católica, entrar com uma noiva amiga nossa, que estava se casando com um rapaz que não sei se era desquitado ou o quê, mas que o padre que estava realizando o casamento, era um padre da Igreja Católica Brasileira (e não Católica Apostólica Romana), que vinha uma vez por mês oficiar serviços que o padre regular (da Católica Romana) não fazia.
Uma rua atrás da nossa igreja era chamada de Coréia, a zona de prostituição. Penso que possa ter ganhado este apelido por causa da Guerra da Coréia, mas, na época, eu não tinha nem idéia de que houvesse um país com este nome. Até quando comecei a escrever este livro, nunca tinha tido notícia de outro lugar onde a zona de meretrício fosse apelidada de Coréia, a não ser lá. Mas alguém que leu o livro no blog Cidadedosvagalumes.blogspot.com me disse que na cidade dele, da qual não me lembro o nome, também existia a Coréia.
Cheguei a ver uma moça que estava num jipe, sendo levada para Mantena para fazer um exame médico, pois havia se casado e o marido suspeitava de que ela já não fosse virgem na noite de núpcias. Se o exame confirmasse a perfuração do hímem anterior `aqueles poucos dias após o casamento, ele a retornaria para a casa dos pais dela.
Foto da farmácia com fotoshop (feito por Guda). |
Lacarmélio (que viria a se tornar famoso por publicar a Revista Celton, que vende nas ruas de Belo Horizonte), bem pequenino ainda, muito talentoso, desenhava em papel celofane os seus quadrinhos, e passava cineminha para os seus amiguinhos...
Seu Alfeu gostava muito de ouvir os jogos de futebol no rádio, o que era costume de vários vizinhos. Nos domingos `a tarde só se ouvia "cruzou pela direita, driblou... e go..o..o...ol...". E, `as vezes, ele chegava tarde em casa para encontrar a porta trancada (não sei por que não tinha a chave). Mas o certo é que ficava lá fora, implorando “Telica, Telica, abre a porta pro seu Alfeozinho.” Uma coisa interessante eram as inscrições na frente da farmácia dele: “Medicina"; "Atende de dia e de noite" "Faço caridade"; O Prático Alfeo" E abaixo: "Não garanto vida de ninguém”.
E acredito piamente que ele estava certo. Num lugar daqueles, com poucos recursos, onde pessoas vinham de longe, das roças, em jipes, cavalos e até carregadas em padiolas, com todo tipo de doença grave, vítimas de tiros, fraturas expostas, em que tinham que fazer cirurgias, não dava mesmo, pra garantir vida de ninguém.
Nós, na maioria das vezes em que ficávamos doentes, éramos tratados com homeopatia, pelo meu pai. Ele tinha suas próprias receitas para determinadas doenças, que fazia questão de ensinar. Para equizema, a mãe dele havia sido curada com banhos de Permanganato de Potássio, um pó rosa choque arroxeado, e chás de um mato chamado douradinha do campo. A mesma receita curou a D. Amélia Vial, membro da nossa igreja, que tinha as pernas muito afetadas pela doença e ficou completamente limpa.
`As vezes, íamos `a casa do Seu José Medeiros, que viera de Laranja da Terra também e onde era o tratador da nossa família. Fazia garrafadas para tudo, incluindo infruenza, uma palavra estranha para mim que ele usava para gripes.
A cada tantos meses de que não me lembro, era tempo de tomar vermífugo, normalmente pós verdes e amargos misturados a líquidos, ou líquidos com gosto enjoativo.
Mas, houve uma vez em que o Seu Araújo, que era vizinho na primeira casa em que moramos, perto do cinema, atendeu a Clarinda que estava pondo sangue pelo nariz. Mandou buscar gelo no Bar do Primo, para ajudar no tratamento. Pediu que ela ficasse imobilizada por um período de tempo.
Clarinda também tinha problema de asma e mais tarde, já com uns quatro anos, ía `a nova farmácia do Seu José Irias (chamado de Zé Biriba) tomar injeção para debelar os ataques de asma, e preferia ir sozinha, o que causava admiração.
Nota: (Lacarmélio Araújo se tornou um grande cartunista, criador do Celton. A irmã dele, Maria Consolação esceveu a história dele num blog (alguns nomes, incluindo o nome do lugar, Itabirinha, foram trocados. Para ler mais sobre a história dele visite http://celtonquadrinhos.blogspot.com/2011/11/o-nascimento-do-lacarmelio.html)
O terror dos porcos e dos meninos, era o Seu Pêdo Rádio, um senhor baixinho e claro, que falava sem parar (daí o apelido), castrava porcos, e que alguns pais mencionavam, quando queriam que os filhos fizessem ou não, alguma coisa. Ele gostava da brincadeira de amedrontar crianças, que corriam quando o viam. Na nossa família, quase todo mundo tinha um apelido, O Edézio era "Dedé" e "Coquin", o Moacir, "Tisiu", o Adirlei, "Cuêi", a Marilda, Patita, e o Gelcir, baixinho e branquinho, era "Pêdo Rádio". "Tiziu", o Moacir vivia com um braço quebrado, não sei se era levado demais ou tinha alguma deficiência nos ossos. Eu morria de inveja, pois achava o máximo ter um gesso e autógrafos... Mais tarde, soube que minha irmã Etelvina não tinha apenas inveja do gesso; chegava a se jogar no chão para ver se quebrava alguma coisa...
A uma certa altura, veio de Laranja da Terra, trabalhar na oficina, o Paulinho, filho de um primo do meu pai, Seu Júlio Vieira (o que herdou a cadernetinha de anotações do Vovô Quinca). Pela lógica, dir-se-ía que se chamava Paulo. Na verdade chamava-se Raul. Seu Júlio, havia escolhido o nome do pai dele, Paulo, para o bebê. A esposa, D. Nega, escolheu outro, Raul, e ele foi registrado com este nome. Mas o pai o chamava de Paulinho e nunca ouvi ou soube de alguém que o chamasse ou conhecesse como Raul. Era o Paulinho do Seu Júlio Vieira.
Houve uma época em que a meninada parecia falar inglês. Usavam uma expressão que nunca ouvi em outro lugar: "Comigo num tem perrépis" (seria perhaps, "talvez" em inglês?). Outra coisa que nunca soube do significado é "Ô derréía", uma expressão para definir coisa ruim, que era usada pelas crianças lá.
Eu e minha irmã Etelvina fazíamos xixi na cama, quase todas as noites. O único conforto era que muitos dos primos também urinavam na cama e ninguém estranhava quando dormíamos nas casas deles.
Quando o Seu Honorato Mozer, esposo da D. Anita, que tinha uma loja, faleceu de paratifo, febre tifóide, o corpo veio de Mantena e não lhe fizeram a barba. Estava muito pálido e eu disse pra minha mãe que quando eu morresse, queria que me passassem rouge para que não ficasse tão feia. (Não tinha nem idéia de como enfeitam os defuntos hoje em dia, que ficam mais bonitos que quando eram vivos).
Aliás, o que não faltava no vilarejo, eram alto-falantes. Havia o da Igreja Assembléia de Deus, o da Igreja Batista, que chamava "É o Pai Celeste, Jesus nos fala assim: Ó cansados e oprimidos, vinde a mim". E Feliciano Amaral cantava que "O amor de Deus é singular" e Edgar Martins "Mais perto quero estar", por vezes, competindo com o alto-falante do circo tourada, no largo mais abaixo, que continuava depois que o culto começava, tornando quase impossível ouvir a pregação.
Voz forte também tinha o Seu Nelson Malaquias, que era regente do coral da igreja.
Quando o tio João vinha a Itabira, também fazia solos na igreja, vestido na sua farda de Oficial da Polícia Militar. Tocava o harmônio da casa do vovô Américo, que na época estava lá em casa, e até ensinava um pouquinho de música pra gente, fazendo as notas num papel e mostrando no teclado onde elas estavam.
Nos fundos da nossa casa, o quintal enorme se estendia até `a beira do rio. Os meninos do Seu Vandico, que tinha uma loja umas três casas acima da nossa, Vander, Vanderlei, Roberto, eram muito engraçados, mas muito levados também. Uma vez fizeram um túnel no barranco na beira do rio no nosso quintal. Cada dia cavavam um pouco mais e meu pai, preocupado que o barranco pudesse desmoronar e soterrar alguém, falou com eles que parassem. Mas eles continuavam. Foi até que o meu pai deu um espalho muito grande neles, e depois o chamavam de "homem do zói regalado".
http://www.itabirinha.com.br/?pg=recordacoes/cine_ideal
Em frente `a nossa casa, ficava a Pensão L. Certa vez, foram bater lá em casa para pedir ajuda ao meu pai para tirar dois cavalos, de hóspedes da pensão, que haviam caído num buraco cavado para fazer uma fossa. O buraco havia se enchido de água com a enchente e os cavalos estavam quase se afogando. Tentaram fazer um rego para drenar a água, mas não teve jeito. Meu pai, então, sugeriu que fossem jogando terra dentro da fossa e, `a medida que a terra foi aumentando e os cavalos pisoteando, o buraco foi ficando mais raso, até que os cavalos saíram andando.
Já estava de manhãzinha e os trabalhadores, cansados, foram para o Bar do Seu Wilson Berto, tomar café. Dercino do Leopoldino, um dos que haviam ajudado a tirar os cavalos, comeu e depois disse pro Seu L:
Hoje fico pensando que a causa do noivado ter acabado bem que pode estar relacionada ao número de sobrinhos da tia Elma. Imagino que, quando o noivo dela ofereceu um picolé para um dos sobrinhos, não calculou que, no domingo seguinte, houvesse outros e mais outros pra ganhar picolé.
Do outro lado da Pensão L., ficava a casa do Seu Zequinha Medeiros, esposo da D. Clari, que tinha uma fila de crianças, Carlos Alberto, Anderson, meu colega de sala, Lina Rosa, colega da Etelvina e outros. Depois vinha o açougue do Seu Joaquim Campos. Maria José, a neta dele, também foi minha colega de sala.
Depois a alfaiataria do Seu Pedro Marcos, pai da Toddy (Custódia) e da Geralda, e sogro da prima da minha mãe, Leuda, (filha do João Padeiro e da Etelvina e esposa do Dino), que trabalhava de servente na escola junto com a tia Ilca.
Para o lado de baixo da nossa casa, do lado oposto, um dos meus locais favoritos, a Padaria do Seu Amaral. Esperava o pão sair do forno e, `as vezes, passava tempo lá, vendo-o enrolar e cortar a massa, dar um talho com o estilete, borrifar com um pouco de água e colocar os pães na forma para levar ao forno. De vez em quando, meu pai comprava uma mironga, pudim feito de pães amanhecidos...
Não me lembro se já tinha sido inaugurada a segunda usina hidrelétrica dos meus tios, mas graças a Deus, as luzes eram tão fracas que não dava para distinguir muito bem a audiência.
Eu vestida de grega e Etelvina de baiana (sete de setembro 1961)
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Minha irmã Etelvina tinha sete anos e uma falha de dentes na frente e frequentava a escola mineira. Vestida de baiana, com uma saia de babados e um turbante `a Carmem Miranda, liderava o pelotão com um cartaz na frente do vestido, que dizia “Meus amiguinhos de outras terras”, para representar o Brasil entre outras meninas com trajes típicos de outros países.
Aliás, minha mãe, que tinha estudado apenas até o terceiro ano primário, começou a frequentar a escola capixaba. Fez o Curso de Admissão ao Ginásio `a noite. Mas o curso acabou, calculo que tenha sido
Azenir, D. Nara, minha mãe (Erandi) e meu pai (Norival), entregando-lhe o diploma |
Interessante que, a não ser pelo Curso de Admissão ao Ginásio da Escola Capixaba que foi interrompido pela dissolução do Contestado, Itabira só tivera escolaridade até `a quarta série (chamado de quarto ano primário). Mas, muitos pais colocavam os filhos que haviam feito o quarto ano numa escola (fosse mineira ou capixaba) para repetí-lo na escola do outro estado, talvez para ter certeza de que o filho estava reconhecidamente graduado, naquilo que era a graduação máxima do lugar na época (poucas pessoas tinham condições ou a decisão de mandar os filhos para fora a fim de continuarem os estudos).
Maria Barreto, a Santa, filha do Seu Meladinho, foi uma que fez o quarto ano nas duas escolas. Perguntei para ela se ela se sentia mineira ou capixaba e ela respondeu que "Só no dia 7 de setembro que um queria vencer o outro. Só uma vez o Espírito Santo ganhou de Minas. Os carros alegóricos eram todos feitos escondido; tudo que seria feito era em segredo absoluto. Quanto a me sentir mineira ou capixaba, era de acordo com a escola. Se estudasse na Escola Capixaba, você se sentia capixaba ou vice versa." Ainda segundo ela, o uniforme da Escola Mineira era saia azul e o da Escola Capixaba, vermelha (ambos com blusa branca). Interessante, que não me lembro deste detalhe, nem do nome da minha professora capixaba, ou do nome da escola (que, tenho quase certeza, na minha época não era Lacerda de Aguiar, pois havia terminado o seu primeiro turno como governador, um ano antes (31 de janeiro de 1955 a 31 de janeiro de 1959).
Para o nível de escolaridade da maioria dos professores locais, o ensino era muito bom. Ou pelo menos eu tive sorte de ter ótimas professoras. Miúda, filha do Seu Henrique Chesquini, D. Hortelina, Maria Gomes, Azenir Heringer e D. Nara Guimarães, que adotava um livrinho azul de poesias que eu sonho um dia encontrar, o meu ou outro igual, com poemas como "Barbara Bela", de Tomás Antônio Gonzaga, "A cruz na estrada" de Castro Alves ("Caminheiro que passas pela estrada... ao veres uma cruz abandonada..."), "Y Juca Pirama"e outros.
Apesar de não termos biblioteca, fazíamos pesquisas nos livros da Azenir, a diretora da escola, num cômodo nos fundos da casa dela. Para encontrar as palavras no dicionário, a princípio, eu tinha que repetir a, b, c, d... no início, na segunda letra, na terceira... E ampliar mapas fazendo quadradinhos numerados, para mim, era um suplício.
Azenir trouxe muitas novidades, não só para a escola, mas para a nossa família também. Os piqueniques da escola não tinham só brincadeiras e comida. Tinham música também, como "Da minha viola eu quebrei o dó..." e outras.
No aniversário da Márcia do tio Jeronil, na tulha da fazenda, no terreiro do tio Joel, além de todas as meninas levarem suas bonecas (as nossas de roupas novas, feitas pela minha mãe), Azenir organizou um teatro, "Eu vi um dia com muita alegria, um bando de sapos fazendo gritaria..." E, no coro, enquanto uma turma cantava "Foi, foi, não foi, foi, foi, foi, foi, foi, não foi", duas outras imitavam o cantar do sapo de modos diferentes. E na "Barbearia Heringer", vários clientes assentados lado a lado, para fazer a barba, um lençol passado de modo a servir de babador para todos eles, e o barbeiro muito ocupado, passando espuma que tirava de um balde com uma vassoura de pelo, na cara de todos eles. Depois, com um rodo, raspava. O balde cheio de espuma, no chão, que o barbeiro pegava e jogava na audiência. Um grito só, para receber uma chuva de confetes de papel picado na cabeça. O balde fora trocado sem que a audiência percebesse.
Arraiá do Juda
Um ritual herdado de seus ancestrais, índios puris, os caboclos eram um grupo de homens vestidos de blusa e saia vermelhas, penachos na cabeça e sapatos feitos de tecido nos pés. Cantavam e dançavam batendo hastes umas nas outras e com arcos e flechas. Depois em volta de um mastro com fitas coloridas amarradas no topo, entrelaçadas. Enquanto seguravam um em cada fita, íam dançando em volta, de uma forma que as fitas se enrolavam trançadas no mastro. Clarinda gostava muito de usar vermelho e, `as vezes, alguém dizia que ela era igual aos caboclos. E, normalmente, os caboclos se apresentavam no largo da Igreja Católica, no Dia de Reis, 6 de janeiro, que por coincidência, é o aniversário dela. Ela, uma menininha de cinco, seis anos, estava completamente convencida de que os caboclos dançavam em sua homenagem.
Clarinda era sempre convidada para ser dama de honra nos casamentos. Quando a Maria Helena Batalha, filha do Seu Joaquim e da D. Tatana casou-se, minha mãe tinha que sair para comprar um sapato para a Clarinda. O vestido já estava pronto e passadinho em cima da cama. Minha mãe chamou a Clarinda para ir a uma loja e ela, como sempre mimada e cabeça dura, insistiu que queria ir com o vestido de daminha. Mas era muito cedo e minha mãe temeu que ela o sujasse. Clarinda fez manha e não quis ir com ela, chorando até dormir. Minha mãe, então, saiu sozinha, deixando-a em casa, dormindo, só de calcinha, pois ela não aceitava vestir outra roupa.
Quando estava na loja, alguém chegou pra avisar que a Clarinda havia passado correndo e chorando... só de calcinha. Minha mãe saiu `as pressas para pega-la e levar para casa, os sapatos já comprados para ela. Mais tarde vestiu o vestido de daminha, calçou os sapatos e entrou no casamento da Maria Helena e do Zé Miguel.
"Hoje tem marmelada, tem sim sinhô... E o palhaço o que é?..." "Na rua de baixo eu não posso passar..." e passava o palhaço de pernas de pau na rua, anunciando o espetáculo. O circo ficava sempre acampado no largo um pouco `a frente da Igreja Batista, onde os ciganos também acampavam. `As vezes era o circo tourada... outras o circo com trapézio e bailarinas.
Tia Edil com sobrinhos (Eloísa, Léia, Clarinda,João, Glacilda, Gláucia e Dilminha). Ao fundo, o circo, o caminhão do circo e um porco solto na rua. |
E novas cantigas, que aprendi: "Eu entrei na roda, eu entrei na roda dança, eu entrei na contra-dança, mas não sei dançar... Namorei um garotinho da escola militar, o danado do garoto só queria me beijar."
Certo dia, estávamos brincando de esconder. Etelvina escondeu-se num cercadinho que protegia uma castanheira recém-plantada. Foi quando passou uma carreta alaranjada, lotada de toras e Etelvina, sem mais nem menos, pegou um meio tijolo no chão... e jogou na porta do caminhão. Ela então, correu e foi assentar-se num banquinho em frente `a casa do Seu Zequinha. O motorista parou a carreta e foi lá. Perguntou de quem ela era filha e começou a zangar com ela. Entretanto, nenhuma das outras crianças havia visto o ocorrido e todas a defenderam, dizendo que ela não tinha jogado pedra em caminhão nenhum e que ele estava sendo injusto com ela. Ele foi-se embora, saindo como mentiroso. Tempos depois, foi que ela contou que ele tinha razão.
Num desses dias que estávamos brincando de rodinha, uma garota que morava no Tipiti e estava visitando parentes em Itabira, do nada, apanhou uma mãozada de terra na rua e jogou no meu rosto. Eu não tinha costume de fazer estas coisas, mas para revidar, fiz o mesmo.
Só que uma mocinha que era amiga da tal garota, que talvez não tivesse visto a garota me jogar terra, colocou minhas mãos para trás, me segurou e mandou que a outra me jogasse terra (novamente). Fiquei tão indignada com a situação que tinha pavor da menina. Interessantemente, a garota, todas as vezes que nos encontrávamos, anos depois, me tratava como se eu fosse uma celebridade, tamanha a alegria e o bom modo como me tratava. Eu não dizia nada, mas no fundo guardava mágoa dela. Bobagem, ela tinha mudado...
Carreta lotada de toras |
No Córrego Azul, visitamos também o Oliveira Heringer, primo da minha mãe, que tinha uma família numerosa e morava num sítio com amenidades pouco comuns para o lugar: luz elétrica fornecida por um gerador pequeno com água canalizada de uma cachoeira do rio que passava nos fundos da fazendinha.
Numa dessas visitas ao Córrego Azul, assistimos uma carreta do tio Joel sendo lotada com as toras, uma tarefa difícil, com juntas de bois do lado oposto `as toras, puxando-as para cima da carreta com cabos de aço e gancho, usando dois pedaços de madeira para que elas deslizassem sobre eles, até cairem no lugar certo. Duas lado a lado, e outra em cima das duas.
Tia Ilca e tio Cincinato acabaram se mudando para Itabira. No Córrego Azul tiveram outra filha, a Glacilda, e logo que vieram para Itabira, buscaram o tio Filadelfo, lá em Laranja da Terra, para morar com eles.
Tio Filadelfo gostava de soltar papagaio na praça da igreja católica, e nós passávamos horas acompanhando-o, com maestria, cortar a folha de papel de seda, afiar a taquara com o canivete, passar o grude que havia cozinhado, de polvilho e água, e finalmente, moer o vidro pra fazer o cerol da linha, que o habilitava a competir, cortar a linha de outros papagaios.
Era muito gostoso ficar naquela praça vendo os papagaios coloridos no céu, contra o belo monumento de pedra, que é a marca registrada daquele lugar.
Depois de algum tempo, tio Filadelfo foi morar em Governador Valadares, na casa do tio Jenus e da tia Maria.
Mas quando me formei no quarto ano primário, ele foi meu paraninfo, provavelmente o mais jovem de todos, com quatorze anos. Os outros estavam de terno; ele usava uma camisa listrada. Mas, para mim, nenhum era mais importante do que ele. Aliás, tínhamos, além da formatura, um culto e uma missa. Na missa, convidei uma pessoa católica para ser meu padrinho; o Seu João, um farmacêutico novato no lugar, mas muito amigo de todos, especialista em espremer os carnegões das nascidas, que eu mesma não tive muitas, mas alguns dos primos sofriam com elas. Ele me deu uma Bíblia Católica, com livros a mais do que na nossa Bíblia, Judite, Macabeus e outros, livros apócrifos, como minha mãe me explicou. Até hoje tenho esta Bíblia.
Houve um ano em que a Gláucia foi baliza no desfile de Sete de Setembro. Eu, com uns dez anos de idade, bordei toda a roupa dela, com miçangas e paetês. As meninas da tia Ilca pareciam nossas irmãs menores. Minha mãe tem uma verruga grande no meio das costas, na altura do decote. Glacilda, todas as vezes que ía lá em casa, pedia: "Eu quero ver a biuguinha da Tirandi."
O Dubinha, filho do Seu Benjamim, tio do tio Cincinato, `as vezes, vinha passar férias em Itabira. Ele tinha um caderno que me deu, onde me ensinava uma porção de coisas; eu o achava o máximo, realmente era muito inteligente. Só que não tenho a mínima idéia do que continha o caderno.
Tio Joel foi um dos primeiros, além dos donos de bares, a comprar geladeira em Itabira. Uma "Hotpoint" grande. A esposa dele, tia Jeni, havia matado um pato pelos dias em que a geladeira foi instalada. Uma das empregadas, Maria Protina, não tinha muita idéia da utilidade da geladeira e sugeriu: "Ô D. Jeni, por que que a gente não assa o pato na geladeira?"
Íamos sempre para a fazenda dele, a pé, mesmo que passasse alguém que oferecesse carona. Lembro-me de que um dia fomos com a Marilda e a Márcia do tio Jeronil. Etelvina e eu estávamos usando nossas calças compridas. Tio Jeronil não permitia que as filhas dele usassem. Então, entramos no mato e trocamos nossas roupas com elas.
Na fazenda, era uma festa só. Brincávamos no meio das toras, na serraria; fazíamos casinhas de bambu e folhas de coqueiro, com janelas, portas e tudo. Além de chupar manga até não poder mais. Não era necessário nem subir nos altos pés de manga. Era só esperar os "tuins", um tipo de periquito verde, que ao tentar bicar as mangas maduras, `as vezes cortavam o talo com o bico. Era uma chuva de mangas...
Na época de fazer rapadura, tomávamos garapa até não poder mais. No engenho, e depois a que púnhamos na geladeira da tia Jeni. Também comíamos puxa, e depois rapadura...
Irmãs Edil, Elma, Ilca, Erandi (minha mãe) e Elzina |
A casa em si era espaçosa e boa, mas não tinha água encanada, nem instalações sanitárias. A casinha era lá no fundo do quintal, com os porcos cuidando dos excrementos. Em Laranja da Terra, usávamos sabugos para limpar e aqui papel; pelo menos uma coisa boa para compensar. Também não havia sabugos em abundância como lá, que morávamos na fazenda. A água, de cacimba, tirada com um balde amarrado numa corda. Tia Elma, tia Edil, Anita e minha mãe, revezavam no fogão, eu e Etelvina lavávamos as vasilhas, uma função muito difícil. A água saloba (salobra, com muitos sais minerais) não deixa o sabão espumar e, por conseguinte, sendo água fria, tornava difícil a lavação de vasilhas.
Eu fazia o meu melhor e até que dava conta do recado, mas a Etelvina não tinha paciência o suficiente para esfregar até tirar toda a gordura. Tia Elma fiscalizava e, `as vezes, pegava o dedo da Etelvina e passava na vasilha, para que ela sentisse que ainda estava engordurada. Etelvina tomou pavor de lavar vasilhas...
A produção comercial de roupas não durou muito tempo. Minha mãe continuou costurando para a sua clientela, vestidos muito bonitos, como antes.
Casamento da Eniuza e Adalmário (Alemão) Daminhas: Eloísa, Edilmar (irmãs da noiva), Etelvina e eu. |
Meu pai decidiu aproveitar o ponto comercial e montar uma pequena mercearia. Trouxe o sobrinho dele, Juca (José), irmão da Anita, para trabalhar na venda. O Juca era muito bom para mim e minhas irmãs, e nos tornamos os seus maiores fregueses. Principalmente do leite condensado e das salsichas enlatadas. Não admira que a venda também não durasse muito tempo. Do lado direito da nossa casa, ficava o boteco da D. Mariinha. Ela fazia "quitanda" para vender, num forno grande, nos fundos da casa. Quando saía a fornada de biscoitos e brevidades, ela já separava a parte da Clarinda, que era gorduchinha e cativante. A Sá Dorce, esposa do Seu Wilson Berto, do bar, também tinha um forno grande de tijolos e quando terminava de assar os biscoitos gritava: "Clarinda!!!" E ela saía correndo.
De vez em quando, passávamos pela beira do rio, perto da máquina de limpar arroz do Élio do Seu Moreno, para ir `a Olaria do Seu Josino, na Vila Nova, um dos nossos passeios favoritos. Ele era pai da Rosalina e de uma turma de moças da nossa igreja, Altas caieiras, cubos feitos de tijolos engaiolados, com um buraco embaixo para se colocar o fogo para queimar os tijolos. O engenho puxado por cavalos amassava o barro para fazer as telhas e tijolos, do qual sempre trazíamos um pouco para casa para fazer nossos trabalhinhos de cerâmica. Panelinhas, bonequinhos, mesinha e cadeirinhas... um sonho. A casa do Seu Josino era alta e, logo depois de subir a escada, podia-se ler na parede da sala uma frase que nunca soube o que significava: "Cacoa, Josino, cacoa."
Nós apenas deduzíamos que podia ser: "Caçoa, Josino, caçoa". Mesmo que fosse, não fazia muito sentido, mas nunca descobrimos.
Vovô Filadelfo, esposa Margarida, com netos, bisnetos e um trineto (Adiles, filho da Eniuza e Adalmário) |
Vovô Filadelfo |
Foi, `as pressas, `a casa pastoral e chegando lá perguntou ao pastor: -"O que esta cambada de homens está fazendo aqui com uma moça, sem nenhuma outra mulher presente, e por que eu, sendo o diácono mais idoso da igreja e avô desta moça, não fui convidado?". O pastor tentou explicar-lhe as razões, mas não conseguiu convencer o vovô, que, olhando para a tia Edil, disse: "Minha filha, você vai continuar a usar o seu cabelo e o seu baton, do jeito que você gosta, pois quem não se enfeita, por si se enjeita." E, saiu de braços dados com ela, deixando os seus acusadores sem a acusada.
As EPBs (Escola Popular Batista, o nome das EBFs naquele tempo) eram animadas na nossa igreja, comandadas pela Neuzi, filha do Pr. Israel, que estudava não sei aonde, mas vinha nas férias. Cânticos com gestos: "Uma igrejinha de torre levantada, abriremos a portinha... não tem nada. Uma igrejinha de torre levantada... que meninada". "Alegrei-me quando me disseram... vamos, vamos `a casa do Senhor." E "Uma sementinha, escondida no chão, dormia um sono sossegado e bom..." "Eu vou crescer..." E as brincadeiras: "Macaco disse...", você obedecia, ... disse, mas se não fosse o macaco e você fizesse, era eliminado. Um saía e depois voltava para descobrir "Quem é o líder" daquela criançada toda, além de decorar o Salmo Primeiro e ouvir histórias de flanelógrafo e outras de revistas ilustradas "Jaime e o ateu", "O menino do barril", lindas.
Meu pregador favorito era o Seu Milton de Assis, esposo da Madalena, que tinha uma turma grande de crianças, muito ativo na igreja na época.
No Natal, tínhamos o programa na igreja, comandado pela Genoveva, filha da D. Cornélia, a zeladora da igreja, que morava numa casa bem pequenininha, nos fundos da igreja, ao lado da casa pastoral. As peças eram curtas, mas bem elaboradas e cheias de cores. Genoveva fazia roupas de papel crepom para nós, com bastante criatividade.
O ponto alto da decoração no vilarejo era a casa do Seu Manoel Bastos, que tinha um presépio na varanda.
Meu pai nunca passava muito tempo sem ir a Laranja da Terra. Ainda tinha o sítio na propriedade do pai dele, que os tios Nolmerindo e Ataídes administravam e, nas nossas férias escolares, quando íamos lá, ele fazia os acertos de conta para receber a sua parte no café colhido. Além disto, tinha um sítio perto de Lajinha, no Indaiá, administrado por um meieiro, seu Isaías, e esposa D. Sebastiana.
Nestas viagens, passávamos por Governador Valadares, onde assistíamos televisão, comíamos maçã (em Itabira havia muita manga e outras frutas, mas não maçã), comprávamos revistinhas de historinhas e visitávamos os conhecidos.
Seu Benjamim, tio do tio Cincinato, tinha um salão de beleza na Rua Peçanha, onde cortávamos os cabelos com a Zefira, irmã do tio Cincinato. D. Fiúca, a esposa do Seu Benjamin, sempre nos tratava com um bom almoço e uma vez, fez picolé caseiro, de manga, para nós.
De uma certa feita, ficamos hospedados na casa do Seu Tininho Brandão. Lá, comemos creme com cereja em cima, uma grande novidade, que a esposa dele, Dona Horacina, irmã do pastor Ambrósio, serviu para sobremesa.
Numa dessas passagens por Governador Valadares, era época de Natal, e ficávamos encantadas com tanta decoração nas ruas e nas lojas, especialmente o trenzinho dentro da vitrina, que andava sozinho. Minha mãe comprou bonecas de louça, com carrinho, para nós e uma boneca de borracha, da Estrela, e um ursinho de óculos, para Clarinda. Etelvina tentou tirar os óculos do ursinho para colocar na sua boneca. Como a boneca era bem maior do que o ursinho, os óculos ficaram relaxados e não paravam mais no ursinho. Também comprou sapatos chanel, rosa-choque, última moda, para mim e Etelvina. Para a Clarinda, que tinha uns quatro anos, ela queria comprar sapatos branquinhos. Mas Clarinda escolheu um azul turquesa e não teve como dissuadí-la a comprar o branco.
Tio Reginaldo conduz Luci ao altar (Gelcimar e Gelcir são o cavalheiro e a dama de honra); tia Adenair desamarra o laço de fita. |
Entretanto, nada tirou os dois de namorarem. Lembro-me de que eles tinham um sinal secreto. Quando ele chegava do "mato" com a carreta lotada de toras, businava de um modo característico, ainda lá na Vila Nova, e ela sabia que era ele e corria para esperá-lo. Os dois gostavam muito de bolinho frito(bolinho de chuva), meio mole, que minha mãe, `as vezes, fazia para eles.
Na Igreja Presbiteriana, os sábados eram muito animados, com sociais comandadas pelo Mário, esposo da Orma Emerick, um ator de primeira categoria. Nunca me esqueci de uma esquete em que o marido pede `a esposa para encurtar uma calça dele; a esposa diz que está muito ocupada e não pode fazer o serviço. Pede então, `a filha, que também declina da obrigação. Por fim, ao filho, mas este também tem outros afazeres a cuidar.
Vovô Américo e família no casamento do tio Joanilson |
As correspondências, raras, chegavam pelos ônibus (Dandão, de Mantena e Águia Branca de Gov. Valadares) e eram entregues não sei como pois não havia correios. As notícias, além do rádio, chegavam através das revistas Manchete e O Cruzeiro, que se comprava em Mantena ou Governador Valadares.
Miss Brasil 1963, Ieda Maria Vargas, gaúcha, foi eleita Miss Universe, a primeira brasileira a conseguir a façanha. Algumas pessoas comentavam sobre Marta Rocha, a Miss Bahia e Miss Brasil 1954, que ficara em segundo lugar no Miss Universe, por duas polegadas a mais...
A sexta-feira, dia 22 de novembro de 1963, dia do assassinato de John Kennedy, foi triste e me lembro da bandeira preta colocada na Igreja Matriz (igreja católica). Eu, com meus dez anos de idade, pensava, como poderia alguém assassinar um presidente tão bom, que iniciara o programa "Aliança para o Progresso", que distribuía alimentos para todo o mundo...
Depois disto, mudamo-nos para a Rua da Serraria, a Serraria do Seu Alvino Heringer, sobrinho do vovô Américo, o que era vizinho de fazenda lá em Laranja da Terra. Na rua moravam vários parentes nossos, Seu Alvino e D. Alzira, o Oziel e Adenir, genro e filha deles, o Abgair (Bêga), filho também, com a família.
Desfile de Sete de Setembro de 1963 |
D. Maria gostava de passear nas roças e nós não perdíamos qualquer oportunidade de ir com ela, `as vezes a pé, outras a cavalo, `a casa da Nilza Maciel, membro da igreja, da Nidinha, filha da D. Maria, no Pati ou outras...
Certo dia, Adão pegou uma borracha emprestada com a Etelvina e quando foi devolver, aproveitou a oportunidade para alisar a mão da Etelvina. Por coincidência, minha mãe estava passando na calçada e, como as portas do salão de venda onde funcionava a escola, ficavam abertas, viu a cena.
Quando Etelvina chegou em casa, a mãe lhe disse" "Não gostei nada daquilo que vi.
Como Etelvina estivesse na segunda série, mas ainda não soubesse escrever cartas, pedia que eu escrevesse as cartas dela para o Adão. Certa vez, a Fifina encontrou uma carta e mostrou pra mãe. As missivas pararam de circular.
D. Alcides era uma senhora idosa que morava sozinha, numa casa logo abaixo da casa da D. Luzia. Tinha uma mina de água excelente também no quintal, e um sapo-boi que morava na mina. Clarinda gostava de ver o sapo-boi, que D. Alcides protegia com todo o cuidado. Também tinha dois pés de maçãs miúdas, fruta que não era comum no lugar, mas que ela dava para as crianças das quais gostava, incluindo a Clarinda.
Minha mãe e D. hulda com as Mensageiras do Rei |
Clarinda tinha um gatinho “Chaninho”, o qual ela adorava. De repente, o bichano começou a engordar, até que um dia, desapareceu; ninguém o via. Estava escondido na caixa de brinquedos da Clarinda, debaixo da cama num quarto do lado da cozinha, o ninho cheio de filhotes. Era Chaninha. Nossa mãe, discretamente, tirou tudo e lavou para que não houvesse perguntas curiosas.
A serraria do Seu Alvino estava parada, por causa de uma demanda que se arrastava por anos, em que eram partes o Seu Alvino e o homem que vendera a serraria para ele, Onofre Moura. Como o vilarejo estava localizado numa Zona Litigiosa, ou Contestado, havia dois processos, um em Minas Gerais e outro no Espírito Santo. Onofre Moura já havia levado um trator D4 de esteiras que não tinha nada a ver com a serraria, pois havia sido trazido por Seu Alvino de Laranja da Terra e um caminhão International. E estava, com a ajuda de coronéis capixabas (diz-se que na verdade não tinham a patente, apenas o título de coronéis), tentando levar o restante da serraria.
Em Laranja da Terra, Seu Alvino tinha tido uma serraria na fazenda dele também, que já quase não funcionava porque a madeira naquela região se tornara escassa. Havia vendido a sua propriedade de café lá para investir na serraria em Itabira, onde ainda existia muita madeira. Entretanto, estava ali, parado, sem poder colocar a serraria pra serrar, por causa da demanda, Andava numa bicicleta e fazia serviços de conserto de máquinas e pequenos bicos, e a esposa, D. Alzira costurava para ajudar a manter a casa.
Seu Alvino Heringer e D. Alzira nas suas Bodas de Diamante |
Barricada para cercar os caminhões lotados com parte da serraria do Seu Alvino |
A Parte do adendo está meio confusa, mas conservei como está no original. Para mim, explicar com detalhes os acontecimentos narrados acima, é um tanto difícil, pelo fato de eu ser criança na época e não ter conhecimento de todos os detalhes.
Sei que o homem a quem ele se refere que era tio do motorista de um dos caminhões e que confidenciou ao tio que viera buscar a oficina, era o Seu Sebastião Bastos, que morava do lado oposto ao Armazém do Carangola e perto da loja do Seu Oliveira Clara.
O conflito durou anos e a barricada aconteceu ainda quando morávamos no centro, na Rua Principal, sem número, a casa com o salão de costura que depois virou a Venda do Juca, meu primo (E hoje é a Farmácia Nossa Senhora Aparecida, do Sr. João Farmacêutico.)
O meu pai, que nunca andava armado e nem tivera arma depois que dera baixa como sargento do Exército, antes de se casar com minha mãe, agora tinha um revólver na gaveta do guarda-roupa, onde guardava as fotos, o anel de ouro, o relógio Omega com números florescentes e os livros dele.
Para organizar a barricada, meu pai convocou praticamente todos os moradores. Saiu na carroceria de um caminhão na rua principal, conclamando a população a impedir aquela arbitrariedade, como ele dizia. Apesar de ter o partido dele, era uma pessoa que se dava bem com todos, pica-paus e corta-guelas. Seu Wilson Berto, Seu Nêgo Laranjeira, o Pedro Pembeiro, entre os muitos de que não me recordo do nome, este último responsável por termos deixado de dormir em colchões de paina (que tinham que ser afofados sempre para não virar pedra), pois ensinou ao meu pai a difícil arte de amarrar molas e ajudou-lhe a fazer colchões para nós.
Lembro-me de que faziam reuniões na casa do Bêga para discutir estratégias e colocar em dia as notícias das novas tentativas do Onofre Moura, que não vinha pessoalmente, mas sempre representado por policiais capixabas, tentar levar a serraria. O único que realmente vi foi o irmão dele, um rapaz muito bonito chamado Divino, que, quando a polícia mineira obrigou a descarregar os caminhões, também estava lá descarregando. Minha tia Edil comentava que era um desperdício um rapaz tão bonito metido em encrencas.
Minha mãe ficava muito triste com os acontecimentos, pois a mãe do Seu Onofre Moura e do Divino, D. Maria Moura e as duas irmãs, Mariinha e Divina, eram da nossa igreja, pessoas muito boas.
Infelizmente, anos depois, quando Onofre já estava velho e morava em Vitória, ainda se dizia que vendia terrenos na praia que não existiam ou cujos títulos os compradores nunca conseguiam, o que não sei se é verdade. E que, quando já velho e doente, sua esposa (que ouço, era uma pessoa boníssima, lavava roupas para fora, para sustentar o lar.
Na noite em que bateram lata a noite inteira, em que ficaram de prontidão esperando a polícia capixaba, que souberam, viria novamente para buscar a serraria, nossa casa ficou cheia de gente, dormindo em colchões e camas improvisadas. Eram os parentes que moravam na Rua da Serraria, onde, provavelmente, a batalha teria lugar, caso a polícia capixaba tivesse vindo. Ou, pelo menos, era onde ficava o objeto de toda aquela confusão, a Serraria do Seu Alvino. Meu pai, que nunca havia tido uma arma, desde os tempos em que estava no Exército, no Rio de Janeiro, tinha um revólver na gaveta do guarda-roupa, onde ele guardava fotografias antigas e outras coisas pessoais. Fiquei surpresa e com medo quando, menina mexilona, encontrei a arma.
Aqueles dias foram muito excitantes, especialmente para nós, as crianças. As ruas poeirentas do patrimônio estavam movimentadas com vários soldados do Sexto Batalhão de Polícia de Governador Valadres, marchando e gritando como se estivessem se preparando para uma guerra, cavando trincheiras nos morros em lugares estratégicos (Até hoje, 2017, as marcas das trincheiras estão lá. Ficaram hospedados na Pensão do Barbudo, onde havia uma ponte estreita, suspensa, bastante acima do rio, de onde os soldados pulavam dentro da água, também como parte do treinamento.
Os buracos foram soterrados para evitar que caísse algum animal ou pessoa dentro deles, mas existem os lugares pelados, pois o capim nunca nasceu para cobri-los totalmente). O Ronald Viana, Roninho, filho do Seu João Farmacêutico me enviou as fotos (ao lado).
Ficaram hospedados na Pensão do Barbudo, que ficava localizada perto do rio e tinha uma pontezinha estreita e alta para cruzar para a outra margem. Os soldados pulavam da ponte lá embaixo, um atrás do outro, dentro do rio, como parte do treinamento.
Tia Edil, que morara com o tio João, que era Oficial da Polícia Militar, em Belo Horizonte, e namorara um dos colegas dele que também era policial, estava toda excitada, comentando em como era bonitão este ou aquele soldado.
Os policiais capixabas, contratados por Onofre Moura para levar a serraria, fizeram várias investidas, tentavam negociar, isto é, convencer o Sr. Alvino, que sempre se encontrava com eles acompanhado do meu pai e tio Joel. Queriam convencê-lo de que tinham documentos apropriados para tal, mas meu pai conhecia um pouco de leis e nunca concordava com eles. "Quando vocês trouxerem um Mandado do Juiz de Direito, ele assina, porque isto aí é coisa feita por delegado, não é documento". Certa vez comentaram que naquele lugar tinha um "homem do zói regalado" (como os meninos do Seu Vandico o chamavam), que era "ardido como pimenta". Tio Joel chegava a extremos. E dizia: "Se ocê assiná isso aí, eu visto uma saia nocê e faço ocê disfilá na rua..."
Uma das coisas das quais não me lembrava e que meu pai, já falecido, não escreveu no seu depoimento, é o teor da carta empunhada pelo Seu Wilson Berto, o chefe do diretório de um dos partidos na época (UDN ou PSD, não me lembro), na foto da barricada para cercar a polícia capixaba.
Em 2009, fiquei sabendo que o Seu Wilson Berto ainda estava vivo e morando em São Paulo. Consegui o telefone dele com o Zequita, seu irmão que ainda mora em Itabirinha, e liguei para ele. Estava na casa do Wilsinho, filho dele que nasceu depois que se mudou de Itabirinha. O neto dele atendeu. Expliquei para ele o motivo da minha chamada e ele colocou o Seu Wilson no telefone comigo. Não me deixou nem falar direito. Disse "Eu tô velho e cego, num sei de nada não". O neto pegou o telefone e expliquei para ele a minha pergunta. Ele repetiu para o Sr. Wilson que disse bem alto, que deu pra eu ouvir: "Era uma carta do povo de Itabirinha pro Juiz de Direito de Mantena, pedindo justiça no caso da serraria. Enfrentamos a polícia capixaba..." E concluiu "Heringe pobre a gente ajuda, Heringe rico não." Valeu o telefonema.
Depois falei com a Eliete, filha dele, minha amiguinha de infância. Boa, como sempre. A mãe, Sadorce, já havia falecido e a tia Satita, com mais de setenta anos, toma conta do Seu Wilson na casa do Wilsinho.
O depoimento do meu pai, ele o escreveu porque eu pedi, na época da enchente de 1978, em que eu morava em Manhuaçu e estava em Laranja da Terra, ficando lá sem poder voltar para casa por uns quinze dias. Baseada neste depoimento e nos fatos que presenciei foi que escrevi em versos, tipo Literatura de Cordel, a história da Questão da Serraria Heringer, sob o título "Contestado". O livreto foi publicado no Segundo Encontro da Família Heringer em Alto Jequitibá, em 1985. Entretanto, nunca tomei a iniciativa de realmente, pesquisar sobre o assunto ou entrevistar participantes na trama, até muitos anos depois.
Tive a sorte de ter tido uma resposta tão pronta do Bêga em 2009, que se prontificou a escrever o seu testemunho também. Entretanto, o testemunho escrito (postado acima) se limitou `a compra da serraria e aos eventos que levaram ao início da demanda e a ratificar o testemunho do meu pai, cuja cópia, havia enviado para ele.
Em três de dezembro de 2011, entrevistei o Bêga por telefone, que me passou informações complementares, as quais registrei como pude:
Quando chegaram a Vargem Grande, viram o Seu Alvino e o filho Abgair (Bêga) que estavam entrando no ônibus, vindos de Mantena e os prenderam. Os dois tinham ido a Mantena conversar com o seu advogado, Dr. Domingos Jório, pois os caminhões estavam lotados com parte da serraria em Itabira, e só não haviam saído porque o povo havia feito a Barricada para impedir a sua saída.
Bêga não aceitou de bom grado a prisão. Perguntou ao coronel Lauro Faria por que estavam sendo presos e este respondeu: “Eu estou levando vocês pra amenizar uma situação que estão causando, impedindo a retirada da serraria…”
Continuou a discussão e o coronel lhe disse que ele era muito duro, para não dizer teimoso.
Pela manhã, quando lá chegou, Dr. Jó Pimentel, o juiz, disse pro Zoroastro:
"Manda os homens irem embora, porque não conseguimos tirar nada lá (as máquinas da serraria). Quero que vocês tirem esses homens daí, porque eu não quero confusão…”
Perguntei ao Bêga qual a participação do Airle, irmão dele, no andamento dos fatos relacionados `a serraria, pois me lembro de que, quando escrevi o livreto de cordel a respeito, ele ficou desapontado por não ter a sua participação incluída. Eu lhe disse que não tinha conhecimento, e continuo não tendo. Bêga disse que, na época, Airle morava em Lajinha, e quando veio passear em Itabira, ele lhe contou como estava difícil a vida deles com a demanda. Airle e ele foram, então, a Mantena, conversar com o delegado, Coronel Leite. Ao apresentar o irmão ao delegado, os dois se cumprimentaram e, logo a seguir, o delegado perguntou ao Bêga se ele poderia deixá-los a sós na sala. Bêga saiu e ficou esperando... Conversaram durante um longo tempo, e quando o Airle saiu da sala, disse ao irmão: "Ô Bêga, o negócio agora vai mudar de tipo". Sabendo que o irmão era maçon, deduziu que o delegado também fosse e que já haviam descoberto só pelo toque de mão. Como de fato, as coisas começaram a caminhar bem mais facilmente depois disto.
É que, disse o Bêga, "Havia um mandado de apreensão (calculo que seja prisão) do juiz contra o Onofre, por falsificação de promissórias, mas como ele era maçon, a maçonaria não deixava a coisa andar. Aí, pra não prender nenhum membro deles (maçons), apertaram o Onofre para ele desistir da coisa. Prometeram de não atacar mais a causa. Onofre foi tirado da Maçonaria."
Para mim foi uma surpresa ouvir esta informação que, calculo, nunca chegou ao conhecimento do meu pai (Norival). E ver que, naquelas bandas, até membros de uma instituição como a Maçonaria, se conluiavam com este tipo de arbitrariedade, para usar a palavra que ele mesmo, meu pai, usava para qualificar as estratégias usadas pelo Sr. Onofre Moura e a Polícia Capixaba naquela demanda.
-Mãe, por que tem tanto revólver com facas pra cima?
-São os soldados, minha filha. Fica aqui dentro de casa.
-Mas é grande, mãe, não é revólver pequeno.
-É fuzil. (Segundo apurei, eram baionetas).
Fiquei com muito medo, mas naquele momento, todas as conversas que eu ouvia sobre a serraria e a luta armada, começaram a fazer sentido e comecei a prestar mais atenção a tudo que era comentado dentro da nossa casa.
De repente eu me sentia como se estivesse num quartel general e minha cabeça ía assimilando informações preciosas que ainda hoje guardo fresquinhas na memória. Este quartel general já havia sido descrito a mim por meu pai que era um ex-militar, quando mostrava as fotos e contava os casos da sua vida de caserna. Mas por vezes eu sentia que éramos impotentes para ganharmos uma luta na qual não contávamos com a força bruta, sem as botas altas, das quais eu achava o nome muito estranho, coturno, que eu via nas fotos do meu pai jovem com paramentos militares. Eu não entendia que nós tínhamos também os militares a nosso favor. Somente depois de muito tempo, já adulta, fui entender que contávamos com mais do que material militar e bélico. Contávamos com valores morais de pessoas sensatas, que bem sabiam a diferença do certo e do errado."
Célia, minha colega de aula, filha do Seu Cardoso, que tinha uma loja em frente `a oficina mecânica do meu pai, reconheceu o irmão dela Sebastião, um menino virado de costas, na foto da Barricada. Disse que depois de passado o Conflito da Serraria Heringer, ela e outras crianças brincavam de esconder no morro atrás da casa do Bêga, perto da serraria, onde havia trincheiras feitas pelos soldados mineiros. Certa vez, escondeu-se numa destas trincheiras... Ficou quietinha dentro daquele buraco um tempão, esperando que a encontrassem, mas não apareceu ninguém. Tudo silencioso e já começando a escurecer, ela resolve sair. As outras crianças tinham ido embora há muito tempo.
Placa comemorativa da divisa de Minas e Espírito Santo próximo a Barra de S. Francisco |
Um monumento foi construído em Bananal, entre Mantena e S. Francisco, para marcar a divisa.
Recentemente Itabirinha perdeu o de Mantena, ficando apenas Itabirinha.
Agora não havia mais cartório, polícia, diretório político, nem escola capixaba. Interessante é que até hoje, a Escola Estadual tem o nome do governador do Estado do Espírito Santo "Governador Lacerda de Aguiar". O primo Alfredo Antônio Heringer, filho do Seu Anésio Heringer e professor desta escola por muitos anos, me disse que, segundo D. Azenir Heringer Amorim, que foi diretora por muitos anos também, a razão da escola ter ganhado o nome do Gov. do Espírito Santo, apesar de Itabirinha agora ser Minas Gerais, "foi uma homenagem do Governador de Minas ao Governo do Espírito Santo, depois de encerradas as questões do contestado e estabelecida a demarcação da linha de de divisão entre os dois estados, bem como a construção do marco divisório entre Barra de São Francisco (ES) e Mantena (MG)".
Interessante que, quando eu estudava na Escola Capixaba, ela não tinha este nome (o governador era Jones dos Santos Neves) e não consigo me lembrar do nome da escola na época.Na época eu era muito pequena para saber porque o meu pai havia se mudado para Itabira, que, agora pertencia a Minas Gerais e era Município de Mantena, passando a se chamar Itabirinha de Mantena, para diferenciar de Itabira do Mato Dentro, perto de Belo Horizonte.
República Heringer
Eu estava terminando o quarto ano e meus pais estavam preocupados, pois não havia como continuar os estudos em Itabirinha de Mantena.
Meu pai pensava em me mandar para estudar no internato, em Alto Jequitibá, onde minha prima Marli estudava. Mas minha mãe achava difícil, pois era longe demais.
Então, o pastor da nossa igreja, Pr. Israel Louzada, cuja filha Léia, tinha sido minha colega, disse para a minha mãe que a Léia tinha ido para Mantenópolis passado no Curso de Admissão ao Ginásio, um curso de três meses, uma espécie de vestibular para entrar no ginásio.
Em Mantena, as provas seriam na próxima semana. Eu não tinha frequentado o curso de três meses, mas como eu tinha notas melhores que as da Léia, ele aconselhou minha mãe a me levar para lá.
Eu não queria ir, nunca tinha ficado fora de casa e só tinha ido a Mantena uma vez, não conhecia ninguém lá.
Mas ela me levou assim mesmo. Ficamos hospedadas na casa do Seu Emerick, pai da Orma do Mário, uma professora de Itabirinha. Um casal muito bom, Dona Hilda fazia umas broas muito gostosas e o Seu Manuel Emerick gostava muito de cantar hinos. Lembro-me pelo menos de um, cujo refrão é "Oh aleluia, sim é céu, fruir perdão que concedeu. Em terra ou mar, seja onde for, é céu andar com meu Senhor."
Uma colega de sala no curso para o teste de Admissão, disse que me emprestaria os livros e estudaria comigo, naquela semana que restava antes do teste.
Mesmo assim, eu disse pra minha mãe que não ficaria. Entretanto, ela fingiu que não ouvira.
Levou-me `a casa do diretor do Instituto do Povo, Professor Vítor Campos Queiroz. Na sala, enquanto minha mãe conversava com ele, eu sussurrava baixinho "Eu não fico..." Mas ela nem se incomodava, continuando a conversa.
Depois fomos `a secretaria da escola, onde ela me matriculou, e ao fotógrafo para tirar fotografia para a escola.
Levou-me a uma loja, comprou uma saboneteira plástica daquelas que fecham com um clique e um arquinho de cabelo. Eu a seguia, emburrada, dizendo "Pode comprar, mas eu não fico", mas sabendo que ela não pararia.
Depois foi ao posto de saúde me vacinar e pegou vacinas para levar para Itabirinha. Era enfermeira por natureza, vacinou a criançada toda do lugar e algumas crianças cuja vacina contra varíola não havia pegado, ela vacinou novamente, usando a pústula formada no braço daqueles de quem havia inflamado. E a vacina pegava...
No dia seguinte, ainda com escuro, ela me acordou e, calmamente, começou a conversar comigo. "Quero que você saiba, me disse, que não vou te obrigar a ficar aqui, se você não quiser ficar. Apenas gostaria que você pensasse em como é importante estudar. Veja bem, as filhas mais velhas do Seu Emerick (que era um fazendeiro de bem), tiveram oportunidade de estudar e nem uma delas quis. Agora trabalham como costureiras em Brasília... Você decide se fica ou não...
Com os olhos cheios de lágrimas, respondi: "Eu fico". Não tinha outra opção.
Não estava preparada para o teste e tinha medo de não passar, mas decidi que faria o melhor que pudesse.
Era um feriado. Perguntei `a garota quando começaríamos a estudar juntas e, para minha surpresa, ela me disse que não iria estudar comigo, nem me emprestar os livros. Fiquei tão desapontada e arrependida de ter ficado, que comecei a chorar.
Estava numa cidade onde não conhecia ninguém e não tinha como ligar para casa pois não havia telefone em Itabirinha. Além disto, estava chovendo copiosamente, o que aumentava a minha tristeza.
A volta da minha mãe para casa foi uma verdadeira odisséia. Sairam de manhã de Mantena. As chuvas haviam destruído a estrada de chão. O ônibus foi agarrando e desagarrando no barro até que, `as quatro horas da tarde, chegando em Barra do Funil, atolou de tal modo, que não conseguiam desagarrá-lo. O motorista então falou: Não tem jeito. Vamos ter que passar a noite aqui". Havia apenas três mulheres no ônibus. Minha mãe, então falou pra elas: "Vamos embora a pé?" A fazenda do tio Joel ficava a uns dez quilômetros de distância. A noite estava tão escura que não conseguiam enxergar a estrada. As três caíram muitas vezes na lama e tiveram que dar-se as mãos para não se perderem uma da outra.
Uma delas, ficou na fazenda do tio Adiles, que já estava morando na "rua" na época. Quando minha mãe e a outra chegaram na casa da Eniuza, sobrinha da minha mãe, a primeira casa na Fazenda do tio Joel, já eram quase nove da noite.
Eniuza emprestou-lhes roupas para vestir depois do banho, preparou-lhes o jantar e, quando já estavam deitadas, `as dez horas da noite, foi que o ônibus passou.
Minha mãe conta: "Você acredita que a bendita da mulher, não devolveu o vestido da Eniuza? Eu não conhecia ela, mas ela tinha família em Itabirinha. Eu fui uma porção de vezes lá. Chegava uma vez, ela não estava, no outro dia, estava para Valadares, no outro, estava pra não sei aonde. Foi indo até que eu desanimei. Ela escondia pra não entregar um vestido rodado e uma anágua. Jantô lá na Eniuza, a Eniuza fritô ovos para nós. Eu não quis comer não, porque já estava muito tarde. Ela comeu os dois e dormiu roncando. No outro dia, o Adalmário (esposo da Eniuza) ainda foi pra "rua" e levou a gente e ela nem reconheceu o que fizeram por ela".
No dia seguinte, fiquei sabendo que minha prima Elce também tinha vindo para Mantena para fazer o Teste de Admissão. Estava na Vila Nova, na casa de um tio-avô dela, Seu Aldemar Ribeiro, irmão da Dona Alzira do Seu Alvino, que não tinha parentesco nenhum comigo. Fui lá falar com ela. A Elenice, filha do Seu Aldemar, havia lhe emprestado os livros. Passamos o dia estudando juntas. Elce era mais velha do que eu, muito inteligente, e me ajudou muito.
Estudamos juntas pelo resto dos dias antes do teste, além de assistir `as poucas aulas que restavam do Curso de Admissão ao Ginásio, que durava três meses, mas para nós foi de menos de uma semana, no Instituto do Povo. Nós duas passamos, a Elce com notas perfeitas, eu com cinco em Matemática, a matéria mais difícil para mim.
Acabei indo morar também na casa do Seu Aldemar Ribeiro. Mas depois de um tempo, ele e a família mudaram-se para Belo Horizonte, e eu e a Elce fomos morar na casa da D. Zeli Borges, professora no Instituto do Povo. Eu estudava de manhã, a Elce `a noite. Os pais da D. Zeli, Seu Manoel e D. Mariana, já eram idosos. D. Zeli lecionava `a noite e D. Mariana dormia cedo, depois de cozinhar durante o dia. Eu tinha muito medo, só havia luz elétrica nas ruas até `as dez da noite, algumas casas tinham luz a motor. Muitos assassinatos ocorriam na cidade, um deles, no dia sete de setembro, quase em frente `a casa. Seu Manoel não dormia cedo e eu ficava assentada nos pés da cama dele até a Elce chegar, pois não tinha coragem de ir para o nosso quarto sozinha, apenas com a luz de vela. Seu Manoel gostava muito de contar histórias, meu prato predileto. Seria perfeito se a maioria das histórias não fôssem de assombração...
Naquele ano, fiz o curso de datilografia na Escola Pratt de Datilografia, com a professora Aidê, uma moça que andava sempre de saltos altos, saias justas e meias finas escuras, rendadas, todo o tempo.
Nesta época, comprei uma caneta-tinteiro, e como só escrevia com lápis durante o curso primário, não tinha prática com este tipo de caneta, e `as vezes, fazia a maior lambança, quando tentava encher a bomba da minha caneta.
Um professor de Ciências era o meu favorito, professor Mário, que trabalhava também num banco e andava de lambreta. Minha pior nota até hoje foi um 2,0 que tirei na primeira prova de Francês, que depois passei a amar e até hoje falo que dá para o gasto. Não me lembro do nome do professor, exceto que alguns especulavam a sua orientação sexual, baseados no fato de que ele usava calças com fecho-éclair (zípper) na braguilha, quando todos os outros homens ainda usavam botões.
Meu professor de Educação Física era o Seu Osvaldo, um sargento do Exército. Meu pai, que também tinha sido do Exército, se assustou, quando cheguei em casa cantando "Nobre Infantaria, arma de respeito, faz amedrontar... A fama levando, vamos espalhando, a nossa alegria... E junto ao Brasil está o fuzil da Infantaria". Esta era uma das músicas que nós, um pelotão de meninas de onze e doze anos, inocentemente, lideradas pelo entusiasmo do Prof. Osvaldo, cantávamos, enquanto faziamos os exercícios.
Roberto Carlos estava surgingo a toda velocidade com o seu "Calhambeque". E Altemar Dutra perguntava "Por que não paras relógio, não me faças padecer..."
`As vezes, ia ao cinema para assistir filmes do Mazzaropi, como "Casinha Pequenina" e "O Lamparina", e apenas via os cartazes dos filmes de Brigite Bardot, a linda atriz francesa de lábios rechonchudos, que eu não assistia por terem cenas muito eróticas (ou por serem proibidos para a minha idade), não me lembro.
A moda eram os vestidos decotados, nas costas, as pulseiras de ouro de bolinhas (e até bolonas), sandálias de couro fininhas (entre o dedão e segundo dedo), com pérolas sobre a correia mais larga formando um T sobre o pé, saias plissadas e blusas de banlon.
Nesta época também estava acontecendo um grande movimento de Renovação Espiritual nas igrejas evangélicas. A Igreja Batista Renovada ficava na rua do Instituto do Povo, próximo `a casa do Seu Emerick. Eu aprendia os corinhos que cantavam, enquanto eu estava passando, enquanto morei lá.
Uma das minhas melhores amigas era a Lurdinha, uma garota de Central de Minas. Certa vez, fui a uma festa de aniversário do pai dela, Seu Olegário de Freitas, na fazenda deles. Variedade de doces, mamão ralado, em pedaços, de leite... Nem sei quantos bois havia matado para alimentar tanta gente...
Depois de muitos anos, fiquei sabendo que Lurdinha, ainda jovem, havia falecido de um tumor na cabeça.
No ano seguinte, 1965, muitos dos primos em Itabirinha já haviam terminado o quarto ano primário e tinham que sair para estudar fora também. Tio Joel comprou uma casa em Mantena e trouxe a tia Elma para estudar e fazer companhia para os dez primos que formavam a República Heringer.
O mais velho dos primos era o Alair, que morara com o tio João em Belo Horizonte para estudar, e se dizia o papai da casa. Eu, a mais nova, tinha doze anos. Entre nós dois havia a Elce, Gilza, Adirlei, Jesonias, Paulo, Moacir, Altacir e Eula. Onze, contando com a tia Elma.
A casa que o tio Joel comprou pertencia a um senhor chamado Alexandre de Souza, que trabalhava na Receita Federal, que se mudou para a casa geminada com esta. D. Dirce Werner de Souza, a esposa dele, limpou a casa, encerou-a tão bem para nos receber, que parecia que estávamos num palácio.
Em trinta e um de março de 1964, houvera no Brasil um golpe Militar para depor o então Presidente João Goulart, sob acusação de ser comunista. Meu pai estava viajando para S. Paulo de caminhão, juntamento com o Nonô Bicalho, não me lembro por que motivo. Quando chegaram em Três Rios, todas as rodovias estavam cercadas por Forças do Exército e tiveram que ficar lá por alguns dias.
Os núcleos comunistas que se formavam eram chamados de "O grupo dos onze" e como a nossa República tinha onze, contando com a tia Elma, as pessoas brincavam que também éramos um núcleo comunista.
Tendo em vista que a tia Elma, além de estar estudando também `a noite, fazendo a primeira série ginasial (eu e Elce estávamos na segunda, Alair não me lembro, mas já estava mais adiantado; os demais todos na primeira), gerenciava muito bem a nossa comunidade.
Atrás: Alair, Gilza, tia Elma, Elce e Adirlei. Frente: Altacir, Jesonias, Leonina, Moacir, Eula e Paulo |
Tio Joel mandou fazer uma mesa comprida, e, de uma da tarde até `as três mais ou menos, era o horário de estudo. Todos assentavam-se para fazer os deveres de casa e estudar. Um momento de silêncio que o Moacir e o Adirlei, os mais palhaços da casa, quase sempre desrespeitavam. Nem a tia Elma conseguia deixar de rir quando um olhava para o outro e começava "É o barulho da cachoeira... chuá... chuá...chuá..."
Obadias tinha um carro chamado Sinka Jangada, daqueles macios e confortáveis, além de um gravador com fitas de músicas variadas, inclusive americanas. Eu gostava de cantar uma música que, se não me engano era do Ray Charles e que tinha um pedacinho assim "Ao ver a mamãe..." (era o que eu entendia de All over my Mind)...
Mas o gravador, além de ser usado para tocar os rolos de fita grandes e redondos, com músicas, servia também para gravar corridas de cavalo, que Obadias simulava, batendo com os dedos na mesa e narrando ao mesmo tempo. "Passou o cavalo branco..." Também estava sempre pegando alguém com o gravador. Tia Edil corria `as milhas pra não ser pega, até que um dia ele escondeu o gravador atrás da porta e gravou uma longa conversa dela. Quando passou toda a conversa, começamos a rir e ela disse pra ele: "Você me paga!!!"
Durante a semana, a casa parecia um restaurante, com arroz, feijão, angu, carne, verdura e tudo o mais no almoço e na janta, saído do fogão `a lenha. Mas, aos domingos, íamos para a Primeira Igreja Batista, a uns quinhentos metros da nossa casa, e, quando voltávamos, comíamos uma jantarada, normalmente macarronada com carne e ovos cozidos, uma bacia enorme, que devorávamos.
Aí tinha os jogos de ping-pong, birosca e outros que atraíam uma turma de colegas dos meus primos.
Meu pai não vinha muito frequentemente, mas quando nos visitava trazia laranjas, mangas e outras frutas. Tio Joel tinha negócios a tratar em Mantena e vinha sempre, trazendo um bocado de coisas, entre elas cachos e cachos de banana, que eram pendurados na despensa e maduravam todos de uma vez. Não sobrava uma para apodrecer. Também, tratar de dez adolescentes...
Depois o número caiu para oito, quando a Eula teve uma apendicite supurada e os pais dela e do Paulo, Bêga (o Abgair, filho do Seu Alvino) e Valderez, resolveram se mudar para Ipatinga.
"O Carnaval"
Vou voltar um pouco no tempo aqui, para contar que o Pr. Israel, que havia me instruído a ir fazer o Teste de Admissão ao Ginásio em Mantena, mudou-se para Mantenópolis, para que a Léia e os outros filhos, eventualmente, continuassem os estudos sem ter que morar fora de casa.
Depois que ele saiu, veio um novo pastor para nossa igreja. Pr. Genadir de Freitas, que adorávamos, pois era muito amigo das crianças. Ele tinha dois filhos, Gessuy e Getson e três filhas, Glorinha, que na verdade era sobrinha mas considerada como filha, Dayse e Dulce. D. Hulda, sua esposa, estava grávida da mais nova, Genait. Quando visitava a nossa casa, que tinha uns dez pés de manga, comia manga verde com sal.
Eles contavam que certa vez, um pastor americano que ficara hospedado na casa deles, ouvira a D. Hulda chamar o marido de "meu bem". Pensando que este era o nome dela, quando precisou de uma toalha de banho, não vacilou: "Ô meu bêin, pode me dar um toalha de banho?"
Gessuy era um ano mais novo do que eu e engraxava sapatos na rua. Um dia, meu pai chegou para engraxar com ele e estava calçando um sapato cuja cor da graxa, ele não tinha. Mas passou a graxa errada assim mesmo. Quando meu pai percebeu, falou: "Ô menino, cê quer que o meu sapato fique com cor de macaco sapecado?"
Deu-lhe, então, dinheiro para ir comprar a graxa na cor apropriada. O garoto devolveu-lhe o troco, limpou a graxa que havia passado, engraxou com a graxa certa, mas no final, cobrou o preço normal, que o meu pai pagou sem reclamar.
Anos mais tarde, quando se tornou um rapaz e não tínhamos contato com a família dele já há muito tempo, encontrou-se com minha irmã Clarinda num Congresso da Juventude Batista Mineira, em Coronel Fabriciano e começaram a namorar. Éramos muitas primas e ele não se lembrava exatamente quem eram os pais da Clarinda.
Quando foi a Laranja da Terra (para onde tínhamos voltado), pela primeira vez, logo ao chegar, reconheceu meu pai e ficou preocupado. "Ó meu Deus, este é o homem do sapato do macaco sapecado. Será que ele se lembra que fui eu que engraxei o sapato dele com a graxa de cor errada?"
Acabou casando-se com a Clarinda. Meu pai se lembrava, e os dois davam risada do fato.
Gessuy era mesmo muito levado. O tio Jeronil, depois de se mudar para a rua, dizia ao pastor Genadir pra mandar os meninos lá na casa dele buscar mangas. Gessuy e o Getson levavam sacos de manga para casa. Mas, de noitinha, voltavam para pular o muro e roubar mangas no quintal do tio Jeronil.
Um dia, estavam em cima de um pé de manga, `a noite, quando o cachorro do tio Jeronil percebeu e foi lá. Latia muito e o tio ficou preocupado, indo ver o que estava acontecendo. Os dois não tiveram opção senão mostrar a cara, ou ficariam presos em cima do pé de manga. Tio Jeronil falou: "Mas meninos, eu já não dei manga pra vocês levarem hoje?"
Pastor Genadir dizia que os anos que passou em Itabirinha, pastor recém-ordenado que era, foram um desafio e de grande aprendizado para ele. A igreja estava acostumada com um tradicionalismo muito intenso. E imagino que foi mesmo.
Só pra dar uma amostra, vou contar o caso da Genith.
No ano seguinte, não retornamos para Mantena. Tio Joel, que já fora vereador por Mantena, havia se candidatado a prefeito de Itabirinha de Mantena, que tivera a sua primeira eleição, como leram no relato anterior. Fora derrotado por uma grande margem de votos e ficara muito decepcionado. Mudou-se para Governador Valadares para que os filhos continuassem os estudos.
Na verdade, ele era um grande benfeitor do lugar, mas de político não tinha quase nada. Era muito franco e, `as vezes austero, com as pessoas. Se alguém lhe pedisse alguma coisa e ele soubesse que a pessoa não era muito amiga do trabalho, dizia: "ô sujeito, vai trabalhar que você arranja."
A derrota política foi uma das melhores coisas que aconteceram na vida do tio Joel. Em Valadares, os filhos tinham escola e outras amenidades. Tio Joel começou a fabricar carrocerias, um negócio que está na família dele até hoje. Depois de alguns anos, quando já haviam passado dois prefeitos por Itabirinha, Seu Ezequiel Lima e Onésimo Coimbra, os dois partidos da época resolveram convidá-lo para ser candidato único, a prefeito. Desta vez foi eleito. Lembro-me do seu entusiasmo quando estava construindo o hospital em Itabirinha... A Léia, filha dele, fazia das tripas coração para ajudá-lo a conseguir verbas junto `a Câmara dos Deputados para melhorar a infra-estrutura do lugar. Infelizmente, a política tomou um rumo muito mau e acabou criando hostilidade desnecessária entre os partidos, que persiste até hoje.
Meu pai também, não sei se foi por causa da derrota política do tio Joel, com a qual também ficou muito decepcionado, pois achava que o tio Joel havia feito muito por Itabirinha e merecia o voto do povo, decidiu se mudar de volta para a região de onde viemos. Entrou de sociedade numa malharia, com o Antônio Sanglard, casado com uma prima dele, a Iraci, filha do Tio Quinquim, irmão da vovó Etelvina, em Lajinha, Minas, próximo ao nosso córrego de origem, Laranja da Terra.
Nesta última viagem a Laranja da Terra, a passeio, quando ele se decidiu que iríamos nos mudar, passamos em Governador Valadares e fiz exame de vista. Nunca experimentei um gesso no braço ou na perna, como o Moacir meu primo, que me causava inveja. Mas estava de óculos, que me davam um ar diferente, importante. Na vinda para Itabirinha, a novidade foram as calças compridas; na volta, os óculos...
Lajinha, Manhuaçu e S. Félix do Araguaia (MT)
Lajinha, M.G.
Como se pode ler, abaixo, Lajinha foi fundada em terras doadas por um genro do meu trisavô Comendador Leite, Antônio Pedro Garcia, do qual não sei ainda o nome da esposa.
Antonio Ambrosio de Oliveira – 1954*
Ao que se sabe até o presente, era o lugar ocupado hoje pelo centro de Lajinha parte integrante da Fazenda São Domingos, de propriedade de Francisco Thomas de Aquino Leite Ribeiro, Comendador Leite, senhor de escravos, estabelecido em São Domingos mais ou menos no ano de 1882, pouco antes da abolição da escravatura, o que levou ao município, uma prole distinta (testemunho dos mais antigos do lugar).
Família do Pr. Antônio Ambrósio de Oliveira fundador do Colégio Rui Barbosa em Lajinha |
FORMAÇÃO DO POVOADO
Conta Orosimbo Custodio de Barros (Orosimbo Miguel), que Francisco Mateus Laranja, em 1907, debaixo de um rancho no meio do mato, com seus empregados Orosimbo Custodio de Barros, Francisco Neves, Pedro Cabral, João Herculano e Moisés Martins, derribou o mato e fez a primeira clareira. Deram ao solo lajinhense a luz. (Palmas para estes).
Testifica ainda que em 1909 foi medido o terreno, e que nesse ano, ou em 1910, Mateus Laranja, e seu pai José Lucas de Barros, conseguiram a escritura de Antonio Pedro Garcia, genro do Comendador, de um alqueire de terras, para a fundação do povoado, e que essa área consistia nos terrenos delimitados entre mais ou menos pelo Córrego Berra Onça, da barra até a ultima casa antes da atual máquina do Sr. Gerôncio Cruz e mais ou menos, margeando o rio São Domingos pelo sudeste, sempre a parte de várzea, até mais ou menos os limites com os terrenos da Igreja Presbiteriana. (Este alqueire deve ser de 80 por 90, porque como testifica Álvaro Vieira Bretas, filho do saudoso Francisco Augusto Bretas, primeiro escrivão de Lajinha, Antonio Pedro Garcia, é o autor do alqueire de 80 por 90 em São Domingos).
1 Pai do autor das anotações.
2 Distrito criado com a denominação de Santo Antônio do Rio José Pedro, pela lei provincial 2657, de 04-11-1880, e lei estadual no 2, de 14-09-1891, subordinado ao município de Caratinga.
Atual cidade de Ipanema(MG) Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – ano 1959 http:// biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/ipanema.pdf
As primeiras casas construídas foram as de Francisco Mateus Laranja e que ainda existe, neste ano de 1954, servindo de residência ainda confortável ao Sr. Antonio Gomes do Amaral (Antonio Caixeiro). A parte a oeste onde se encontram sinais do velho alpendre em que Mateus Laranja fazia as primeiras recepções lajinhenses, a segunda foi de Jose Lucas de Barros, (José Miguel), digno progenitor do declarante Orosimbo, um dos esteios da grandeza de Lajinha. Esta ultima já foi demolida, é o espaço atualmente vago, no lado oposto, quase em frente, antes da casa da esquina da viela que da acesso à rua do Fórum.
Laranja negociava em secos e molhados. Outro pequeno comerciante aparece, conhecido por Joaquim Pintado; negociava em molhados apenas.
Afirma D. Olívia Evaristo Campos (D. Olívia Borges) que a primeira missa aqui celebrada, o foi pelo Padre Villa, de Rio Pardo. O altar foi instalado numa cobertinha rústica para isso feita, e havia uma única imagem, a de Nossa Senhora de Nazaré. Seu pai, um dos iniciadores de Lajinha, cooperou na construção da primeira capelinha, tendo ela cozinhado para ele nesse serviço. Era em uma casa embarreada, a primeira igreja de Lajinha, diz ela.
O Sr. Orosimbo afirma que esse templo media 20 por 25 palmos, a principio, e depois foi aumentado. Diz também que era coberto de taboinhas e depois trocado por telhas. E que a imagem de Nossa Senhora de Nazaré pertencia antes a capela da fazenda São Domingos, que comprara do Comendador, procedente da residência de Francisco Cerqueira, afim do Comendador e que essa doação ao primeiro altar de Lajinha teria sido feita por José Leite, filho do Comendador.
Os primeiros padres que serviram em Lajinha, conforme testemunho unânime dos antigos, foram: Padre Villa3, Padre João Holanda Cavalcanti (nordestino), ambos de Rio Pardo e Padre Lucas Evangelista de Barros, de Chalé.
JURISDIÇÃO
Até o ano de 1914, toda a margem leste do Rio José Pedro, pertenceu à jurisdição do Estado do Espírito Santo, estando esta região subordinada à Vila de Rio Pardo. São Sebastião da Varginha era a sede do distrito dessas águas, sendo o escrivão, Coronel José Maria Gomes. Esse lugar hoje, é um lugarejo em ruínas, sito um pouco abaixo da Cachoeira da Neblina, à margem do José Pedro.
Com o aparecimento de Chalé, iniciado por João Ambrosio Ribeiro, Manoel Ferreira Brandão e José Ambrosio Ribeiro, que para ali foram em 1893, 94, e outros depois de 1900, a Família Ambrosio e Família Gomes se tornado afim em virtude do
_3 Em 08 de Dezembro de 1897, o Senhor Bispo Diocesano, sabedor de que a maior parte das lideranças Católicas do Município de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo, era d e Italianos e seus descendentes, nomeou também Italiano Pe. Luiz Evaristo Villa, para ser o Pároco daqui. http://academiaiunensedeletras.blogspot.com.br/2012/05/imagem-historica-retorna-iuna.html
O nome Lajinha é dado ao povoado em virtude da laje existente no vau, travessa do rio São Domingos, no tombo da cascata que fica sob a atual ponte da atual Rua Presidente Vargas. _____________________________________________________________________ ________________________
Guerrilha do Caparaó
Logo após nossa
chegada de mudança em Lajinha, aconteceu um fato inusitado na nossa tão querida
Serra do Caparaó (que minha irmã Clarinda chamava de “Macaraó”, quando pequena.
Ficamos surpresos ao assistir nos noticiários na televisão, que, guerrilheiros, na maioria militares cassados pela Ditadura Militar, apoiados por Brizola e financiados a princípio por Cuba, por meses, estavam realizando treinamentos e reconhecimento da região. Mas como perderam o suporte financeiro, os seus integrantes acabaram por ficar sem recurso até para adquirir comida e foram denunciados pelos moradores da região, após roubar e abater animais para não morrerem de fome. Membros do Batalhão de Polícia de Manhuaçu os prenderam, sem encontrar nenhuma resistência.
Acolhida
O então prefeito de Lajinha era o Sr. Djalma (Jamica) Porcaro, sogro da prima Berenice Heringer.
Ficamos alguns dias bem alojados na casa dos primos da minha mãe, Airle e Olívia e visitamos outros parentes, prima Emi, filha do tio Osvaldo, esposo Bezinho e filho Ronaldo, o primo do meu pai, Verotídio Gomes, esposa Letícia e filhos, e o tio Dedé e tia Zilfa (ele tio do meu pai e ela prima da minha mãe, os da foto do casamento na Parte II), Carmozina Heringer Vieira, prima da minha mãe. Sem contar a Iraci, filha do Tio Quinquim e o Antônio Sanglard, dos quais o meu pai era agora sócio na malharia.
Nós que tomávamos banho de rio em Itabirinha, tivemos maiôs emprestados e fomos levadas pelas filhas do tio Dedé a um clube na saída para Chalé, do qual não me lembro o nome, piscina de águas cristalinas,
que brotavam do chão.
Casa do Sr. Adalgico Boechat |
Interessante, que quando estavam descarregando a mudança, apareceu um rapaz desconhecido, alto, claro e forte, que do nada, começou a ajudar e trabalhou duro até o caminhão ficar vazio. Era o Genésio Ambrósio, que apesar de ter um pequeno retardamento mental, era muito trabalhador e se tornou um grande amigo. Numa das vezes em que entrou na casa com mais uma caixa da mudança, minha mãe, que deveria estar exausta, estava deitada numa cama que já havia sido armada. Genésio passou um esculacho no meu pai. "Fecha a porta do quarto que sua mulher está deitada". Genésio também, quando viu que tinha uma lâmpada que não acendia, na copa da casa, colocou mãos `a obra e consertou a instalação. Depois, apontou com o dedo para a própria cabeça e disse: "Oh, ca...be...ça".
Dr. Adalmário (de óculos), Belizário Miranda (ao centro, benfeitor do hospital que tem o seu nome) e Dr. Júlio Cantamissa |
Seu Valter Lacerda e D. Filhota abrigavam na sua casa a Vicência e o Doreto, ambos com problemas mentais, que tinham obrigações na casa e as cumpriam fielmente. Doreto limpava o quintal e tratava dos animais (galinhas, patos, cachorros). Vicência limpava a casa e lavava roupas. Mas eram assalariados; moravam na casa e recebiam o carinho daquela família. A mãe do Doreto morava perto de Chalé e morreu afogada quando estava pescando, depois que o Doreto já era adulto e morava na casa de Seu Valter. As mulheres da comunidade católica se ajuntaram para a realização do culto fúnebre que Padre Rivadávia fez com todo carinho. Quando o padre terminou, o silêncio era profundo. Havia algumas lágrimas nos rostos das amigas mais íntimas. Doreto, formalmente, se colocou ao lado do caixão e pediu a palavra. "Vocês prestem atenção, pescar nem é tão bom. Minha mãe se resguardou tanto, pra ter que morrer pelada." Naturalmente que, o tempo em que o corpo ficara dentro do rio, o atrito com as pedras e os detritos, ou a correnteza, haviam levado suas roupas. Não teve ninguém que conseguisse ficar sério e resistisse ao humor do seu discurso simples e apaixonado.
Certa vez, ele chegou para o meu pai e perguntou:"Cadê o Adalgico?" meu pai respondeu que não sabia. Então Doreto disse: "Eu sei, o Adalgico falou que ía a Aimorés pra poder cagar na beira do Rio Doce."
Doreto observava muito bem tudo o que acontecia na Rua Governador Valadares, a nossa rua. Podia reportar quando qualquer um de nós saíamos de casa e era bom se comportar bem, pois ele, por vezes, fazia uma fofoquinha. De Seu Valter e D. Filhota falava com adoração.
Vicência imitava as elegantes filhas da casa. Andava em cima do salto como se estivesse brincando. Falava coisas sem nexo, em alta voz, especialmente quando a lua estava virando (mudando de fase). Não é `a toa que chamam os doentes mentais de lunáticos.
Mensageiras do Rei em Lajinha |
Na Igreja Batista, conhecidos antigos, Seu Duca Alvim e D. Maria, as filhas Mariinha e Marta (e outros). E novos amigos, Seu José Pena e família, Chichico Borjão e Luísa, com as filhas Zenira, minha colega de sala e Silésia, D. Maria Damas, Prof. Orci Ambrósio, Prof. José Vieira, Zilza, D. Julieta, Seu Zé Quincas e D. Zenith , pais do professor Orci, Ozair e Ormi, Terezinha, uma senhora com uns três ou quatro meninos, entre eles o Mauro Lúcio e Terezinha Parente mãe da Mara, Virgínia, Virgílio... D. Mariquinha não frequentava a igreja por ter dificuldades para andar, uma ferida incurável na perna. Morava depois da pinguela que tinha perto da casa do Dr. Rubens. Sempre a visitávamos e levávamos alguma ajuda para ela.
Minha mãe, que já fora líder das Mensageiras do Rei em Itabirinha, tornou-se líder naquela igreja também, junto com a Ruth Pena, filha do Seu Zé Pena. Seu Zé tinha o cabelo branquinho e o bigode preto e dizia que quando a gente faz uma roupa, esta pode desbotar, mas a gente sempre guarda o retalho, no caso dele, o bigode . Mas gostava de implicar conosco e perguntava pra nós "Cadê o sanfona?" referindo-se ao meu pai (e a rugas) que, na verdade, naquela época ele ainda não tinha. Etelvina estudou piano com a Maria das Graças Oliveira, filha do Seu Edson Oliveira, da casa Brasil e eu estudei música com a Marta Alvim, primeiro acordeom, depois órgão, mas nunca chegamos a tocar direito. Marta também, começou um trabalho com os jovens e adolescentes na igreja. O palco do salão era decorado como se fosse uma televisão e havia as reportagens, peças teatrais e outros (Ruth era a repórter oficial e autora). "Saigon, como tu eras linda!" é o único verso de um poema de autoria dela do qual minha irmã Etelvina não se esquece, mas que a Ruth mesma não tem mais. "Soldado de Chumbo, você onde vai?..." Era a Guerra do Vietnam e os protestos contra a mesma.
No Natal, Ruth, Dilma, Etelvina e eu fomos as Belemitas (a mesma peça que foi apresentada na Congregação Batista de Laranja da Terra, quando eu tinha uns cinco anos.
Tivemos até concurso de "Miss Ura" (misura), com candidatas representando Areado (com uma panela e palha de aço), Pindura Saia (com uma sombrinha e uma saia pendurada na sombrinha), Laranja da Terra (com laranja da terra, naturalmente), Água Limpa (com um balde de água).
Mas, por falar em concurso de Miss, houve uma vez em que a Dra.Zélia, esposa do Dr. Humberto e outras organizaram um concurso de Miss Juventude, penso que o único que houve em Lajinha. Fiquei em terceiro lugar e Etelvina em quarto. Dr. Rubens, um dos jurados, achou uma injustiça, pois achava Etelvina mais bonita do que eu. O segundo lugar foi a Marlene do Curiquinha e o primeiro a Telma Gomide.
Minha mãe continuava a costurar e eu ajudava com os arremates, apesar de já não ter que "auxiliar" as costuras e nem "casear" `a mão, pois já existia o zig zag (eu pregava botões). Etelvina detestava fazer isto, certa vez uma cliente da minha mãe voltou para reclamar que o botão que ela tinha pregado, caíra. Mas gostava de ir `as lojas e sabia de cor tudo o que havia na Galeria Antônio Alvim, no Seu Henrique Horst, na Casa Brasil, na loja da Alviza (que tinha toda sorte de aviamentos) e outras. E também que o tecido de tal loja combinava com o sapato da loja tal, que combinava com a bijuteria da... Sempre gostou de moda.
Aliás, tempos depois, quando já tinha dois filhos, Marcelo e Maurício e morava na fazenda, fazia pares dos shorts e camisetas dos meninos, tudo combinando e, se por acaso eles fossem ao guarda roupa e vestissem alguma coisa que não combinasse, ela os fazia trocar. E diz que quando está na fila do banco fica observando que a blusa de uma mulher combina com a saia da outra, e o cinto de outra dá com o sapato de uma terceira... E o brinco... E vai fazendo as trocas na sua imaginação.
A Galeria Antônio Alvim tinha o serviço de auto falantes, onde o Genésio Bento, além de fazer o seu show com a sanfona, comunicava passamentos, anunciava o horário das missas de corpo presente e sepultamentos, e outros eventos.
O Natal era animado "Natal, Natal das crianças, Natal das noites de luz..." e o Papai Noel distribuía presentes para a criançada (patrocinado pela Galeria e Rotary Clube).
Genésio também introduzia artistas iniciantes. Clarinda conta que, mais tarde, quando já tinha uns quatorze anos, ele estava anunciando no alto falante:
Genésio Bento com Wantuir Ferreira no programa Canta Sertão na Rádio Sociedade Manhuaçu (1971) |
"Gente, gente, venham para o circo (desta feita um circo armado no campinho de futebol na Fazenda do Suíço, em Laranja da Terra), porque este show é para sustentar quatro famílias pobres: a minha e as de meu s funcionários, Cleone, Barreirito e Mangabinha, o Trio Parada Dura. Meus pais foram e a levaram.
Clarinda ficou super impressionada quando um dos membros do Trio Parada Dura (não se lembra qual) entrou fazendo um verdadeiro espetáculo, tocando divinamente o acordeom. Mas o que mais a impressionou naquela noite não foram os talentosos artistas, mas a exuberante lua cheia, que podia ser vista através de um buraco na lona do pequeno circo. Pouco tempo mais tarde, o trio estaria entre os mais famoso os cantores sertanejos do Brasil.
Tio Nolmerindo, tia Ilda, Márcia e Maurício (falta a Mariza) |
Tio Nolmerindo e tio Ataídes no terreiro de café |
Lajinha tinha a comodidade de ser uma cidade de tamanho médio com excelentes escolas, como a Escola Estadual Dr. Adalmário José dos Santos, fundada pelo Pr. Antônio Ambrósio como o Ginásio (e internato) Rui Barbosa, onde alguns dos meus tios estudaram, e ser apenas dezessete quilômetros distante do nosso córrego Laranja da Terra, onde nasci e a maior parte dos irmãos do meu pai, Vovô Américo e tio Gil, ainda moravam.
Maria (Mariquinha), filha da tia Lilica morava conosco para estudar e namorava o Ozair Ambrósio, irmão do Prof. Orci. Por vezes, acordávamos com serenatas, "Boa noite, diga ao menos boa noite, abra ao menos a janela, que eu canto é pra você...Ô, Uô...o".
Passávamos quase todos os fins de semana em Laranja da Terra, e tio Nolmerindo estava sempre nos levando sacos de laranja e outras frutas.
Lembro me de um piquenique que ele fez conosco e a família dele no Beira Rio, um dos últimos, pois faleceu de um acidente, caiu da escada encostada em um poste no terreiro de café, tentando consertar a luz que não queria acender. Tia Ilda ficou viúva com trinta e dois anos e os filhos Márcia, Maurício e Mariza, esta com apenas dois anos.
Num destes fins de semana, era carnaval e fomos para Laranja da Terra. Meu pai, minha mãe e minhas irmãs iriam voltar para Lajinha mas eu ficaria na tia Lilica. Tio Ataídes havia comprado uma rural zero quilômetros e, `a tardinha, Ailton, filho dele, que era menor de idade, mas dirigia, pediu para ir `a pracinha, isto é, ao centro do Córrego Laranja da Terra, onde ficava a Igreja Presbiteriana, a Venda do Dionésio e o campinho de vôlei e futebol de salão. Lotou a rural com os primos, a Marli da tia Valmira, a Marlene, irmã dele, a Anita e o Alcione, da tia Lilica e o Joaquim do tio Astrogildo e eu.
Quando chegamos na Venda do Jairo Heringer, alguém sugeriu que, ao invés de irmos para a pracinha, déssemos uma chegadinha em Lajinha, para ver o carnaval. A estrada estava recém cortada e lisa como asfalto. Seriam apenas algumas horas e estaríamos de volta.
Ficamos em Lajinha uma meia hora apenas, andando na frente do Clube (não havia carnaval na rua) e ainda escondemo-nos do meu pai, que passava de jipe voltando de Laranja da Terra.
Tudo ía muito bem até que dentro do Areado, a rural começou a ratear e não andava mais. Empurramos, ela pegou e conseguimos chegar até `a frente da casa da D. Júnia, prima da Vovó Leonina. Mas foi só. Nem um caminhoneiro que parou para ajudar conseguiu fazê-la pegar.
Alcione e Joaquim, então pegaram carona para Lajinha e acordaram meu pai, que veio e também não conseguiu consertar o defeito, mesmo tendo sido mecânico em Itabirinha.
Quando chegamos em Laranja da Terra, lá pela meia noite, estavam todos alarmados. Marlene e Marli entraram pela porta da casa e ouviram um esculacho do tio Ataídes, mas Ailton esperou algum tempo escondido lá fora para depois entrar pela janela do quarto da Marlene. Eu, felizmente, estava hospedada na casa da tia Lilica, mas confesso que fiquei meio cabreira quando vi o tio Ataídes no dia seguinte. Mas, como dia seguinte é dia seguinte, e eles eram muito compreensivos, nem o Ailton apanhou.
A rural teve que ser guinchada para a agência em Manhumirim, pois ninguém conseguiu resolver o problema. Descobriu-se que a nova série havia saído com um defeito. E tinha que se manifestar logo na rural que estávamos usando para a nossa travessura.
Tulha do Comendador Leite (foto já com os Sathler) |
Ruínas do Engenho do Comendador Leite |
Atualmente, as construções não existem mais, nem a casa com quinze janelas na frente e quinze de lado, como alguém afirmou que era a casa original, nem outras construções da época, apenas um muro de pedra.
E hoje, 9 de dezembro de 2017, continuo sem saber o nome da minha trisavó, que, segundo a Iraci, prima do meu pai, filha do tio Quinquim, era escrava do Comendador.
Entrei na terceira série ginasial (sexta série hoje), e por incrível que pareça, esta foi uma das classes com maior número de alunos que frequentei, mas a única da qual me lembro de quase todos os nomes (me desculpem se me esqueci de algum) e que tem a representação de muitas das famílias de Lajinha na época (1966).
Ana Maria Abreu
Ana Maria Oliveira
Diocélio Sathler
Eni Santos
Gilberto Camargo
Helena (Lalá) Aguiar
Irene Machado
Jacira Costa
Salves José Pereira (filho do Seu Militino)
José Azine
José dos Santos
José Orlando de Souza
Leonina Fortunato Heringer
Lindemberg Boechat (filho do Seu Adalgico)
Manuel José Carlos
Maria Alzira Cerqueira
Maria Carolina (Carola, não me lembro do sobrenome)
Maria das Graças Mota
Maria Imaculada de Miranda
Maria Lúcia Freitas
Maria Regina Starling (minha melhor amiga)
Mário Lúcio Souza
Marilza Fonseca
Marlina Martins (filha do Seu Leverrier Martins)
Olívia Sílvia Heringer (filha do Airle e Olívia Heringer)
Osvônio Miranda
Rozendo Ambrósio
Sônia Lúcia de Souza
Walace Horst (Lalá)
Zenira dos Santos Borges
Zilda Andrade
Quando retornamos do meio do ano, Regina e eu estávamos usando sutiã. Carola, Jacira, Irene e outras, não deixaram por menos. "Beg (Lindemberg), já viu que a Leonina está usando "goleiro?", apelido para sutiã. Fiquei um pouco sem graça, mas, no fundo, estava feliz porque mesmo não tendo um namoro com o Lindemberg, minhas colegas mais velhas, reconheciam que tínhamos uma cumplicidade. Roberto estava em outra classe. Mesmo assim, Regina não ficou livre das chacotas.
Tempos mais tarde, fui a um Congresso da Juventude Batista Mineira em Ipatinga, com a Léia Pena e ficamos hospedadas na casa do tio dela, Seu José Maximiano e comecei a namorar o filho dele, Armando. Lindemberg, então, foi com a mãe dele, D. Auta (que me queria para nora) lá em casa, reclamar que eu não podia namorar outro, pois era sua namorada (talvez idéia da mãe; todas as senhoras me queriam para nora). Antes deste, tinha tido um "flirt" com um sobrinho do Rev. Cecil, Olímpio Souza, que morava em Brasília e estava visitando a família em Lajinha, mas foram poucas cartas trocadas.
Seu Walter Lacerda era o diretor da escola e estava sempre recebendo um ou outro desta turma na diretoria. Seu Militino (José Militino Pereira) e Seu Adaías Pereira dos Santos eram inspetores de alunos. Seu Adaías reclamava: "Êta terceira série reberdina". E a melhor coisa que aprendi nesta escola foi com ele: "O saber não ocupa lugar. Eu não tive oportunidade, mas vocês estão tendo", dizia.
Ione Lacerda, filha do Seu Valter Lacerda, era nossa professora de português e conseguia, miraculosamente, controlar esta turma. Cada aluno lia um trecho da lição, de pé e em voz alta. Não dava para não prestar atenção, pois eram apenas alguns parágrafos do texto para cada um e todos tinham que ficar atentos pois qualquer um poderia ser o próximo na fila de leitura, uma técnica muito eficaz. Lendo se memoriza a grafia das palavras; e em voz alta, aperfeiçoa a dicção, entonação e interpretação. Minha irmã Etelvina diz que pode até existir professora boa igual a ela, mas melhor, jamais.
D. Eula Rosa, professora de Matemática, que também era nossa vizinha, tentava como podia, mas eu não conseguia entender a finalidade de decorar os Teoremas de Pitágoras ou o que significava "A soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa" (afirmação que me soava como grego, com a última palavra literalmente grega).
Dr. Délio não desanimava e mesmo com a classe meio dispersa, continuava seu discurso sobre os Medos e Persas, Império Carolíngio, Sarracenos e outros, da mesma forma que estava acostumado a discursar suas acusações no Fórum, onde era Promotor de Justiça. Professor Vieira também se esforçava para manter a turma interessada, mas a maioria nem dava bola para o Francês (eu amava), como se quisessem dizer apenas "Au revoir" para ele.
Professor Cecil certa vez, deu-nos parte de um poeminha em inglês para decorar (sobre um passarinho que queria voar) e todos tiraram nota boa.
Não consegui esquecer até hoje, mesmo errando algumas palavras (conferi e está aí).
"Let me fly away"
(Poems of Home: II. For Children, Alfred Lord Tennyson (1809-1892)
What does the little birdie say,
in her nest at peep of day?
Let me fly, says little birdie.
Mother, let me fly away."
Fábio com seis meses de idade |
Certa vez, nossa professora de Educação Física, Maria José Bretas, marcou um piquenique com a turma, mas depois me parece que não estava bem de saúde e avisou que o piquenique estava cancelado. Mas nós, uma turma grande de várias classes, não nos deixamos abater pelo cancelamento. Rumamos para o local do piquenique, que era na Fazenda do Seu José Amâncio, bem próximo da cidade.
Passamos um dia muito divertido, brincamos, comemos e nos divertimos até `a tarde. Nossa professora, quando teve notícia de que a turma tinha ido para o piquenique sem ela, alarmou-se e juntamente com a Dra. Meirilandes, rumou para a fazenda do Seu Zé Amâncio. Lá chegando, tínhamos acabado de sair e já não nos encontraram, nem passaram por nós no caminho. Estávamos voltando para Lajinha, mas por um atalho que só acomodava pedestres. A "Inês estava morta" e nem tentaram tirar satisfação conosco.
Meu pai e Antônio Sanglard desistiram da malharia e meu pai comprou um caminhão. O motorista tinha o apelido de Zezeu, uma ótima pessoa. Houve uma época em que levavam gente para o Paraná. Meu pai continuava cuidando do sítio dele em Laranja da Terra; ficava na casa da tia Lilica. Mas, depois que esta se mudou para S. Paulo, ele resolveu que iriam para o sítio. Fábio tinha uns seis meses. Eu, Etelvina e Clarinda ficamos em Lajinha, Clarice, morando conosco.
Maria das Graças, filha da D. Julinha, organizou uma apresentação da peça "O Pequeno Príncipe". Etelvina e eu participamos, eu como a raposa. A apresentação foi no Pavilhão da Igreja Presbiteriana. D. Julinha fez a máscara da raposa (de papier maché). Tirou medida e tudo o mais. Mas a cola que foi usada com o papel deve ter secado um pouco mais do que o previsto e, quando fui colocá-la, estava apertada e machucando o meu rosto. Para a peça, foram alguns minutos apenas. Mas, o desfile de Sete de Setembro, no carro alegórico do Pequeno Príncipe, parecia não terminar, com o macacão marrom, de mangas compridas e rabo de raposa, que minha mãe havia feito e a máscara (apertada) da raposa.
Nesta época em que estávamos ensaiando a peça, chegou uma nova colega na minha classe, não a mesma classe acima, que assentava-se comigo na mesma carteira e peguei uma coceira nas mãos. Era inverno. Etelvina e eu íamos para os ensaio da peça de braços dados para nos aquecermos e Etelvina também começou a se coçar. Tomamos antialérgicos, mas não melhoramos. Minha mãe então, nos levou ao Dr. Calil. Era mais ou menos meio dia e ele disse que já havia prescrito várias receitas para o mesmo problema, naquele dia. Estávamos com sarna, uma doença que minha mãe disse que tive com um ano de idade e ela teve que fazer luvinhas para mim, para que eu não colocasse as mãos contaminadas pelo remédio (óleo de sapucainha, na época) na boca. É que com o movimento hippie, a sarna e o piolho, que até então eu não conhecia, haviam voltado a atacar. Minha mãe estava grávida do Fábio e levantava cedo todos os dias para ferver a roupa de cama e de toda a família, a fim de acabar com a infestação.
Nossa formatura de quarta série ginasial foi uma grande festa. Marta Alvim, nossa professora de Música, ensaiou parte da "Aleluia de Handel" a quatro vozes e "Jesus, Alegria dos Homens", de Johann Sebastian Bach, usando apenas a melodia, com letra que adaptou a letra para a ocasião. "Neste altar da verdade, da honra e da glória, um hino entoamos, tão grande é a nossa vitória. Alegria, saudade, louvor, gratidão..." Tivemos uma festa muito bonita, com bastante comida e até bombons, feitos pela Cotinha, irmã da Colinha e prima da Vovó Etelvina, que era especialista nestas iguarias.
Com o Grupo da UMP da Igreja Presbiteriana, fizemos um ótimo passeio a Conceição de Ipanema, onde nunca tinha estado. Tomamos banho no Rio José Pedro, o mesmo que passa no Beiro Rio, próximo a Laranja da Terra, onde fizemos o piquenique com o tio Nolmerindo.
Lá, fiquei conhecendo e comecei a namorar um rapaz chamado Wenelinton. Ele veio a Lajinha uma vez na Exposição Agro-Pecuária e tivemos um bom tempo juntos.
Fazia o Curso Normal de dia e o Contabilidade `a noite, quando, no meio do mês de maio, o Curso de Contabilidade foi extinto. Para continuar, fui morar na casa do tio Ataídes em Manhuaçu e estudar na Escola Normal (de manhã) e no Colégio Manhuaçu (`a noite).
Meu namoro com o rapaz de Conceição de Ipanema acabou, apesar de eu ter ficado muito amiga da família dele, que havia se mudado para Manhuaçu. A mãe, D. Nélia, as gêmeas Lucinha e Naninha e o irmão dele, Wallace, que era meu colega de sala. Ele lecionava em Mantimento e quase não nos víamos.
Na Escola Normal, no prédio antigo, uma classe bem grande, aprendi com a Marita Almeida o por que da prova dos nove e muitas outros conceitos da Matemática que não entendia, enquanto era treinada na arte de ensinar Matemática para crianças.
Beatriz, Sueli, Maria Batista, Regina Fajardo e Leonina |
Jandair tentava manter a ordem nas salas de chão de madeira, mas na Copa de 1970, houve um dia em que o recurso foi o professor Hiran nos expulsar de aula, tamanho era o nosso euforismo com a vitória em um jogo. Saímos em direção `a praça fazendo a maior festa, mas o que eu não contava é que um caminhão iria parar e o motorista chamar por mim, no meio daquela turma enorme de adolescentes entusiasmadas. Era o tio Joanilson, que morava em Governador Valadares e nunca vinha com o caminhão para a nossa região, e rindo dizia: "Vou contar pra sua mãe!!!..." Entrei no caminhão com ele, toda feliz por vê-lo, deixando minhas colegas curiosas para saber quem era aquele homem.
No meio do ano letivo, a Escola Normal Oficial de Manhuaçu mudou-se para um novo prédio, mudando também de nome (Escola Estadual Maria de Luca).
Coronel Serafim Tibúrcio da Costa |
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E que o cantor que cantava aquelas músicas que fizeram tanto sucesso nos anos sessenta, como Biquini de Bolinha Amarelinho e Rua Augusta, Ronnie Cord, era manhuaçuence e seu pai, o maestro, pianista e compositor Hervé Cordovil foi quem fez a versão brasileira destas canções. Hervé Cordovil foi o composistor também de Pé de Manaçá, com a prima Marisa Pinto Coelho em 1950; Vida de Viajante, em parceria com Luiz Gonzaga; Sabiá lá na gaiola (do vestido bordado da minha irmã Clarinda na Parte I deste livro) com Mário Vieira. . |
Na sala do Contabilidade, no Colégio Manhuaçu, um primo, René, filho do Seu Silas Heringer, primo da minha mãe, e melhor amigo do nosso colega e meu futuro esposo, Olímpio César de Oliveira Leite, nos apresentou. Começamos a namorar no mês de setembro de 1970.
Parte da turma das duas escolas em que eu lecionava em L. da Terra |
Festinha das Escolas Prosperidade I e Prosperidade II |
Júnior, meu filho, nasceu em 30 de março de 1973. Meu irmão Fábio tinha quatro anos e estava lá em casa com minha mãe, que estava terminando o enxoval do bebê (eu bordava modelos apanhados com a prima Darci, que tinha tido a Juliana).
Fiquei no hospital vários dias e como não era permitido crianças visitarem o hospital, Fábio, ansioso para ver o sobrinho, pegou uma enxada e cortou minhas plantas no jardinzinho do lado da casa.
Meu sogro, João César de Oliveira Leite, que trabalhava no hospital fundado pelo pai, Dr. César Leite, tratou de abrir uma exceção para que ele visitasse o sobrinho. A foto do tio pegando o sobrinho é um sorriso só.
Segundo o site http://medicosilustresdabahia.blogspot.com/2012/01/160-sergipe-joao-cesar-de-oliveira.html, o Dr. João César de Oliveira Leite, avô do meu esposo, nasceu em 13 de outubro de 1878 no Engenho Paiaiá, município de Cristinápolis, sendo seus pais Olímpio César de Oliveira Leite e Josefa de Souza Leite.
Dr. João César de Oliveira Leite e Dr. Alcino Salazar |
Eu e meu esposo tivemos dois filhos, Olímpio César de Oliveira Leite Júnior e Lorena Fortunato Heringer Leite Pagiola (o último, sobrenome do esposo Ricardo) no Hospital César Leite e não pagamos nem um centavo ao hospital. Dr. César dedicou sua vida `aquela instituição e a única coisa que salvaguardou como recompensa, foi que nenhum dos seus descendentes pagaria por serviços prestados pelo hospital.
D. Lourdes era uma cozinheira exímia e com ela aprendi muitos pratos diferentes dos que aprendera com minha mãe. Um deles, "Sopa de Aspargos", era feito, não com frango e aspargos, como a receita que me deu, mas com palmito. Em Manhuaçu, penso que nem existia aspargos na época. D. Lourdes era carioca e apesar de usar palmito, sempre nos convidava para comer sua deliciosa "Sopa de Arpargos". Vim a conhecer este vegetal nos Estados Unidos. Experimentei fazer a sopa com aspargos, mas confesso que prefiro a de palmito.
Meu sogro sempre chamava meu filho de "Barãozinho de Timbozinho" e eu não entendia por que. Até que fiquei conhecendo a história do Barão de Timbó, avô do Dr. César Leite.
Barão de Timbó
O pai, Raimundo Costa era exportador de café e possuía fazenda de café no interior de Minas Gerais também, mais especificamente, em Manhuaçu.
Minha sogra ficou viúva ainda jovem, quando já tinha os filhos Henrique César Braga, Luís Henrique Braga, Mauro Henrique Braga e esperava o quarto filho, Marcos Henrique Braga. Para amenizar o golpe da perda do marido, foi com os pais, para uma fazenda que possuíam em Manhuaçu. Lá teve o bebê (Marquinhos) e ficou morando. Muito bonita e prendada, pianista exímia (tocava no cinema local para acompanhar os filmes do cinema mudo da época) logo conquistou a atenção dos rapazes da cidade, entre eles o Dr. Terra. Mas o felizardo foi o filho do médico fundador do hospital da cidade, meu sogro João César de Oliveira Leite Júnior. Tiveram mais quatro filhos, João César de Oliveira Leite Neto, Maria Cristina Costa Leite (depois Pires e mais recentemente Tasca), Olímpio César de Oliveira Leite, meu esposo e Maria Tereza Costa Leite (depois Carrilho).
S. Félix do Araguaia- Mato Grosso
1980 e meu esposo, Olímpio César de Oliveira Leite, foi nomeado delegado numa cidade recém criada (1976) no Estado do Mato Grosso, S. Félix do Araguaia.
Nosso filho, Olímpio Júnior, estava com sete anos de idade e nossa primeira experiência de vôo, de Goiânia para S. Félix num Votec com capacidade para dezoito passageiros (meu esposo já estava lá), nos assustou. As quebras de asa, logo na decolagem, me fizeram querer tentar equilibrar o pássaro e tive que fechar a cortininha da janela para não ver a altura em que estávamos e a pequenez da nossa condução comparada ao céu límpido, e `a cidade de Goiânia, cada vez menor, lá embaixo. Júnior perguntava a cada cinco minutos: “Mãe, quantos quilômetros faltam?” O copiloto notou o nosso desconforto e ofereceu café e refrigerante (ou suco, não me lembro). A partir daí, relaxamos e quando o avião fez escala em S. Miguel do Araguaia e tornou a levantar vôo, eu já estava me deixando levar pelas quebras de asa e não tentando equilibrá-lo e o Júnior já não queria saber quantos quilômetros faltavam.
Descemos na Ilha de Bananal, em Santa Isabel, no aeroporto que ficava ao lado da Aldeia dos índios Karajá, onde Olímpio nos aguardava para irmos de voadeira (lancha) até `a cidade. Passamos perto de uma casa `as margens do Araguaia, que Olímpio nos informou ser o Alvoradinha, a casa de veraneio do Presidente Juscelino Kubtschek, para onde levava seus amigos, entre eles o famoso compositor e violinista Dilermando Reis.
No seu livro Kuryala, Capitão e Karajá, José Mauro de Vasconcelos conta que, numa destas temporadas que Juscelino passou na Ilha de Bananal, em S. Félix do Araguaia, ele e seus convidados deram bebidas alcoólica para os índios e entraram na festa de iniciação masculina dos Karajá (Hetohoki, festa secreta, da qual só participam índios do sexo masculino), em que usam máscaras de palha. No dia seguinte, havia índios bêbados caídos por todo lado.
Ficamos num hotel na beira do Rio Araguaia por alguns dias até que meu marido alugou uma casa ao lado da Igreja Católica. Era uma casa de alvenaria, coberta de telhas (muitas casas eram cobertas de folha de buriti) com chão de vermelhão (cimento vermelho), tinha água gostosa, encanada de um dos poucos morrinhos, que ficava nos fundos da casa (a maioria das casas tinha apenas poço artesiano com água saloba, rica em sais minerais e com gosto ruim). O Bispo de S. Félix do Araguaia, D. Pedro Casaldáliga, da Prelazia de S. Félix, havia se mudado desta casa para uma coberta de folha de buriti, talvez para se igualar melhor aos posseiros que apoiava (naquela época ainda não existia o Movimento dos Sem Terra).
Olímpio, como delegado, não tinha muito trabalho. O lugar, apesar do grande movimento de pessoas, bancos e aviões das fazendas, era calmo. A Delegacia não tinha sequer uma prisão decente, apenas um cubículo, sem cama nem instalações sanitárias. Havia um jipe preto e branco com a inscrição Polícia do Estado do Mato Grosso, apenas uma sucata, encostado perto do cubículo. Olímpio comprou peças e reformou-o. Mas, no princípio, não tinha buzina nem farol. Mesmo assim, o usávamos (eu também). `A noite, eu segurava uma lanterna para iluminar o caminho (as ruas não tinham iluminação; não havia luz elétrica. Poucas casas tinham energia particular, de motor a óleo).
Não demorou muito e começaram as chuvas que inundaram a cidade. Felizmente, a nossa ficou a salvo. A escola em frente, cheia de gente desabrigada.
Frequentava a Missão Batista, sob a direção do Pr. Saulo de Morais Sarmento, e marquei um culto de oração la em casa. Pedi a um menino vizinho, filho do Seu ------------ para ir com o meu filho convidar as pessoas na escola para o culto. Ele chegava na porta e, apesar de seus sete anos, dizia: “Minha mãe mandou convidar vocês para um culto lá em casa…” As pessoas, não acostumadas com um português tão bem falado, o acompanhavam na próxima porta, só para ouvirem novamente o convite. Olímpio havia ido numa pescaria e voltou com um peixe quase da sua altura. Fizemos peixe para o culto.
Na missão conheci pessoas que se tornaram como família, a família do Pr. Saulo, esposa Jurandi e filhos, Maidi Henke, Seu Willy e filhos. Seu Odilon, índio, tinha uma família numerosa e me lembro de que, num culto na casa dele, meu filho comeu peixe assado na telha com um molho. Em casa não comia peixe e dizia que o deles tinha um molho gostoso…
Quando minha mãe, Erandi, meu irmão Fábio, meu sogro, João César de Oliveira Leite Júnior e minha sogra, Lourdes vieram nos visitar, minha mãe amou andar de trator com a Maidi, a condução que ela usava para fazer suas andanças na cidade na época (morava num sítio e tinham uma seraria, como ela dizia no seu sotaque gaúcho).
Uma cena bonita era a passagem das boiadas e o som do berrante. Tínhamos uma rede amarrada na varanda e quando passou uma boiada, minha sogra foi para a rede e gritou chamando meu filho “Vem, Juninho, ver a boiada!”, enquanto assentava-se na rede. A mesma, apesar de desbotada e nunca ter dado sinais de fragilidade, rasgou-se ao meio (de travessado), deixando D. Lourdes no chão duro de cimento vermelho.
Uma vaca deu cria durante a viagem e os vaqueiros deram o bezerrinho para o meu esposo. Minha mãe, acostumada na fazenda, deu-lhe mamadeira até ficar forte e ser levado para uma fazendinha de um amigo do Olímpio.
Fui lecionar Português e Educação Artística na Escola Estadual José Fragelli, em frente `a nossa casa. Apesar da minha formação ser em Direito, o Governo do Mato Grosso me pagava como se tivesse licenciatura plena na área de Comunicação (qualquer curso superior habilitava).
Fiz um concurso de poesias entre todas as classes e tive bons resultados.
Cerâmica Karajá |
Olímpio se tornou amigo do chefe Ataú, Atauzinho como o chamavam e, apesar de ser proibido vender bebidas para os índios, tomavam uma cervejinha juntos. Ataú presenteou-lhe com uma linda borduna.
Júnior estudava numa classe cuja professora era uma das minhas alunas do Curso Normal. Tia Erotildes, a professora, quis eleger uma enfermeira e um médico na classe e Júnior disse que o médico tinha que ser ele, pois seu avô (bisavô, Dr. César Leite) era médico e porque já sabia aplicar injeção (no mamão). Por ser filho do delegado, um dos seus coleguinhas que tinha um problema na fala, o chamava de “Deegadin” (Delegadinho).
Tinha uma garota na sala, pela qual era apaixonado, a Bia. A Eva, uma garota de uns quatorze anos que trabalhava na minha casa, dizia que ela tinha “boquinha de pacu (peixe)”, por ter o maxilar inferior mais saliente que o superior.
Quintal grande, com muitos pés de caju, Júnior queria levar sempre os maiores cajus para a Bia. Um dia, pediu dinheiro pra comprar picolé pra Bia, ela só namoraria com ele se ele lhe desse picolé. Falei com ele que não daria, pois o pai da Bia tinha condições de lhe dar dinheiro para picolé. “Mas mãe, o pai não te dava presente quando vocês namoravam?” “Dava sim, mas eu não pedi presente para namorar com ele.” “Cada um tem o seu jeito de namorar. Deus fez o homem e a mulher um para o outro…” ele retrucou. “Mas não vou te dar dinheiro pra comprar picolé para ela…” “Mãe, e se eu varrer o terreiro, você me dá cinco cruzeiros?” “Dou…”
Quando cheguei em casa depois da aula, meu menino estava suado e coberto de terra da cabeça aos pés. Já tinha me esquecido da conversa da manhã e perguntei-lhe “O que aconteceu com você?” E ele respondeu: “De tanto carregar lata de areia.”
Ele havia tirado não só o lixo, mas a terra do terreiro também e carregado para os fundos do quintal. Dei-lhe dez cruzeitos. Merecia.
Depois chegou um preso, que havia assassinado alguém com uma faca num distrito. Miguel passava a noite no cubículo, mas como não havia instalações sanitárias nem cama, meu esposo arranjou um colchão e um penico, que ele usava durante a noite. Também não havia verba para alimentação do preso. Miguel passava o dia lá em casa, meu esposo lhe dava alimentação e dinheiro para o cigarro, e ele me ajudava limpando o terreiro e fazendo outros mandados. Amolava as facas na calçada também para mim. Era muito gentil e eu não podia acreditar que havia matado alguém com o instrumento. Mas que sabia amolar uma faca, sabia.
O único crime dentro da cidade no ano inteiro foi um assassinato, um aluno meu do turno noturno (Educação Artística), que tinha deficiência física e mental, assassinou uma pessoa (também a facadas) e saiu mostrando a arma suja de sangue para as pessoas e dizendo que havia feito uma “matula”.
Olímpio o colocou no ônibus com um soldado com destino a Barra do Garças, onde havia cadeia, mas no caminho entrou um homem, que assassinou o preso dentro do ônibus.
Certo dia, Olímpio estava tomando cerveja num bar vizinho da nossa casa, com um rapaz bem vistoso, que se apresentava como Paulo (não me lembro de quê). Eu estava com eles e a conversa era muito interessante. Paulo, cujo pai era um empresário paulista, estava em S. Félix para investir alto naquela cidade. Já conversara com o filho do prefeito, Valdenor Milhomem, Sidney, sobre seus planos de criar uma rádio na cidade, cinema e outras melhorias. Disse que iria investir um milhão de cruzeiros só para iniciar as obras.
Despedimo-nos e saímos, nós para nossa casa a poucos metros e ele para outra banda.
Poucos minutos depois que entramos em casa, chega um policial para falar com Olímpio. Chegara um Telex de Brasília, dizendo que o Paulo era um estelionatária procurado por todo o Brasil.
Olímpio foi ao hotel onde ele estava hospedado, abriu o quarto dele (não sei se o dono do hotel providenciou a chave ou se teve que arrombar), para encontrar dezenas de carteiras de identidade, cartões de crédito e talões de cheque, inclusive com nomes de japoneses… Ainda estava lá, quando Paulo chegou e se assustou com o que via. “Mas, Doutor!!!!” Olímpio não o prendeu na hora (o cubículo não tinha nem vaso sanitário) e a cidade estava praticamente inundada pela enchente, sem comunicação a não ser por via aérea ou aquática. Apenas lhe disse que ele estava proibido de sair da cidade até segunda ordem. Pediu aos policiais para manterem-se alertas.
Madrugada e chega um policial lá em casa. “Doutor, o homem fugiu.”
Logo no final da Vila Nova, onde a estrada estava inundada e não dava passagem para carro, encontraram o Jipe do Paulo.
Aventuraram-se no serrado e numa casa, uma senhora disse que vira um homem estranho, de camisa branca, passar. Andaram até mais de meio dia, gritando por ele, sem resposta, até que o encontraram, já sem a camisa branca…
Quando passaram perto da minha casa trazendo-o, o que vi me chocou profundamente. O homem estava sem camisa, todo picado de mosquito, com a cara inchada e a boca sangrando (os policiais não se contiveram e lhe deram pancadas para desforrar de ele não ter respondido aos chamados, meu esposo me contou). Fiquei horrorizada com a diferença do homem que vira na véspera, bonitão, elegante e cheio da prosopopéia…
Meu esposo o enviou pela FAB ou pela Votec, para Brasília, aos cuidados do piloto.
Mas, voltando ao jipe da delegacia, o que o meu marido restaurou e que eu também usava, houve um dia em que Olímpio foi para Cuiabá fazer um curso e deixou o “calhau”, como nós o chamávamos, aos cuidados do mecânico Baixinho, que morava no Aeroporto de S. Félix (não o da Santa Isabel), para fazer ums consertos. Me deu ordens de pegá-lo quando estivesse pronto. Muito providencial, pois teríamos um piquenique da Missão Batista nas praias do Araguaia e eu o usaria para levar barraca, cobertores (sim, lá é quentíssimo, mas `a noite, na praia, faz frio) e comida até `a voadeira (barco a motor).
Quando cheguei lá, o Baixinho me disse que o detetive Nelson havia pegado o jipe. Que dissera que não era certo a esposa do delegado usá-lo, afirmação completamente correta. Mas eu precisava de uma condução (a esposa do Nelson, Neí, era da Missão também) e pedi a ele para nos levar (e aos nossos pertences) `a beira do rio, onde pegaríamos a voadeira.
O piquenique foi ótimo, comemos até macarrão com carne de piranhas (que eram muitas). As praias são de areias claras e cheias de ninhos de tracajás, a tartaruga pequena com serra nas costas, que já mencionei. Você vai acompanhando as pegadas até encontrar um monte de areia onde estão escondidos os ovos, até noventa ovos por ninho.
Depois disto, meu esposo dirigia o calhau e eu ía apenas de passageira.
Em Cuiabá, conseguiu uma nova viatura, um jipe zerinho, que chegou algum tempo depois.
Olímpio, então, comunicou-se com o delegado de Jaciara, mais abaixo no Araguaia, para que ficasse com o “calhau”.
Depois de ter almoçado conosco, lá se foi o delegado, feliz da vida com o presente. Olímpio ainda colocou um galão extra de gasolina na traseira do jipe para o caso de não encontrar posto de gasolina na estrada.
Já era tarde da noite quando o delegado bate na porta. O jipe empacara na estrada. “Olha, Doutor Olímpio, a minha vontade era de pegar o galão de gasolina na traseira e tacar fogo naquela merda”.
Nunca vi algo ser tão amado e tão enjeitado quanto aquele jipe.
Uma operação do Exército em S. Félix, chamada Operação S. Pedro, foi comunicada ao meu esposo como sendo para espionar nas atividades de D. Pedro Casaldáliga, que segundo alguns, instigava os posseiros a invadir fazendas, especialmente os latifúndios das grandes multinacionais.
Para a maioria, era apenas uma operação para atingir a população que não tivesse documentos, certidão de nascimento, carteira de identidade e outros.
O pessoal ficou hospedado no prédio da antiga prelazia, ao lado da minha casa. Júnior se deleitava em ver soldados armados e, como meu marido era delegado, os soldados lhe davam comidas de campanha (enlatadas com acendedores para esquentar a comida).
Ficamos apenas um ano em S. Félix e voltamos para Manhuaçu.
Quando chegamos, todos se admiravam do português bem falado do Júnior. Ao final de um ano, ele estava bem familiarizado com o linguajar local.
“Íchi, mãe, nós foi no lago, nós banhô… Mas tava bão.”
Mas depois que chegamos em Manhuaçu, logo retornou ao bom português.
Quando fui para S. Félix, não queria ir, mas quando voltei, foi difícil deixar os amigos que fizemos.
(Nota: Faz algum tempo que falei com o pessoal de S. Félix, mas hoje, dia 14 de fevereiro de 2018, Valentine’s Day, dia da amizade (ou do amor) nos Estados Unidos, falei com a Maidi. Demorei a encontrar (procurei Saulo de Morais Sarmento, o pastor, Jovelino de Morais Sarmento, filho do Pr. Saulo e, finalmente, achei o nome Maidi Henke no facebook (pensei que ela não estivesse nas redes sociais). Falei com ela, com a filha Viviane e com o filho do Seu Odilon, o índio da nossa missão, onde o Júnior comia peixe assado na telha. O esposo, Willy faleceu há quatro anos, Pr. Saulo também (há dois anos). Isaque, o filho do Seu Odilon, é o pastor da Igreja Batista de S. Félix, a missão da minha época.)
Voltando a Manhuaçu, teríamos que recomeçar tudo novamente, a carreira como advogados, que havíamos apenas começado antes de ir para S. Félix. Para mim estava difícil encontrar uma vaga para lecionar (ainda não era efetivada como professora). Olímpio, lutando contra o vício do alcoolismo que limitava seu desempenho, apesar de uma inteligência invejável e grande capacidade diplomática e ajuda do pai, uma pessoas conhecidíssima e que ajudava a todos os que precisassem (especialmente no Hospital César Leite, onde trabalhava). Decidi vender roupas e fui ao Rio, ficando na casa do meu cunhado Marquinhos, que me levou a Friburgo, onde conhecia pessoas que faziam roupas para pronta entrega. Mas, tinha prima Marli, filha da tia Valmira morava em Copacabana e me disse que perto da casa dela havia muitas lojas de pronta entrega que vendiam para todo o Brasil. Eu ía a Copacabana quase todos os meses e ficava na casa dela.
Decidi fazer o Curso de Pedagogia, na Fafi de Carangola. Ía com uma turma (de ônibus) nos fins de semana e, no ônibus mesmo, ou no Pensionato da D. Cléria, onde ficávamos, vendia muita roupa. Lembro-me de que tinha uma moça chamada Nair, que só vestia verde. Eu já comprava uma série de roupas verdes do tamanho dela.
Então, meu cunhado Júlio me chamou para colocar uma loja. Encontramos uma `a venda, na Reta, que vendia artigos para festas. Assim nasceu a "Ciganinha", e nossa primeira funcionária foi Joveline Ker, muito querida. Depois, a Kátia, filha do Seu Gabriel Castro, que consertava televisão. Júnior estudava no Cégolio Tiradentes e dava uma mãozinha na loja também.
Não durou muito tempo, mas a "Ciganinha" foi o lugar ideal para mim na época. Fiquei grávida, e Kátia e os vizinhos de loja, o Vô Gabriel, a Zezé, esposa do Carlos, (que tinha loja de roupas) e outros, me ajudavam a cuidar da Lorena. A "Dada" (Imaculada), que morava na casa da Zezé, pegava a Lorena para passar quase o dia inteiro lá, e até banho de piscininha a Lorena tinha lá, no verão. Zezé vendia roupas de criança e pegava a Lorena, vestia roupas novas nela e depois dizia que era presente.
Certa vez, Chitãozinho e Xororó estavam hospedados no Hotel Central, quase em frente `a loja e chegou um empresário da dupla na loja, procurando uma lembrança de Manhuaçu. Eu não estava lá e Kátia me contou que disse que não sabia. Depois apareceu um membro da dupla (que não me lembro qual dos dois era. Eu estava nos fundos da loja, dando banho na Lorena na banheirinha (em cima de uma mesa comprida que tinha lá). Kátia, toda excitada, foi me chamar: "Leonina, o..............(não sei se foi o Chitãozinho ou o Xororó, está aí..." Comprou uma camiseta com o logo da loja (Ciganinha, com um palhacinho desenhado pela Gisele Castro, filha do Seu Paulo e prima da Kátia. Até hoje, Lorena diz que conheceu um dos cantores da dupla.
Lorena nasceu dez anos depois do meu filho Olímpio Júnior, pelas mãos de Dr. Celso também e, por falar em loja, um fato interessante de que me lembro, é de que havia uma jovem senhora no hospital, que tinha tido bebê também, cujo nome era Loja. Demonstrei minha surpresa pelo seu nome, mas ela, muito simpática e descontraidamente, completou dizendo que sua irmã se chamava Igreja e o irmão, Duque de Caxias. Depois, comentando com a minha amiga Maria Alcântara, que trabalhava na Caravelli, ela me disse que a Igreja (que tinha o apelido de Igrejinha) era sua colega de trabalho.
Part V
Estados Unidos
Triste foi ter que entrar no ônibus em Lajinha e ver a Lorena chorando, e gritando “Mãe!!!” apesar de gostar muito do colo da Vó Erandi, que saiu com ela para trás do ônibus.
Unique Cleaning Service (1976) Esq. p/ dir:Míriam (Guatemala),Hilda e Lilian (Honduras), Helena (Chile), Irinéia e Leonina (Brasil) |
Outra senhora, Mrs. Geles sempre me dava um presente, um dia foi uma blusa sanfonada azul. Mostrei para as colegas de van. O boss, que falava espanhol, me disse “Es chica (pronunciado estica e significa é pequena em espanhol). Não entendendo espanhol, eu disse “Estica, sim, Luigi.” Ele disse “Es mui chica, no lê cabe”. Então eu respondi “Es chica, mas estica.”
Logo que cheguei aos Estados Unidos, Adélcio me deu uma dica muito boa sobre como me comunicar em inglês. Ensinou-me a expressão "Show me, please" (Mostre-me, por favor). Assim, se alguém dissesse alguma coisa e eu não entendesse, eu passava o meu dicionariozinho de bolso para a pessoa e dizia "Show me, please". Então ela me mostrava a palavra em inglês e ali do lado estava a palavra em português. Eu havia feito até um caderno de anotações com tudo que aprendera de inglês até `a data e que passaria para a Marisa, que não teria que coletar como eu havia feito, pois eu lhe ensinaria tudo o que já havia aprendido.
Dadá e Lu haviam se mudado e Ana trabalhava o dia todo e tinha “part-time” `a noite. Portanto Mariza e eu ficávamos sozinhas em casa. Marisa não aguentava mais ouvir as minhas aulas e finalmente me disse “Leonina, eu não aguento mais ouvir esta língua. Me leva na casa de algum brasileiro.” Eu conhecia pouquíssimos brasileiros, as únicas casas de brasileiros a que tinha ido eram a da Míriam, irmã do Dr. Marcos (de Manhuaçu) em Boston e a da Joana, esposa do Zenon, e melhor amiga da Dadá.Levei Marisa para trabalhar comigo na Unique Cleaning Service, mas não ficou por muito tempo. Foi trabalhar numa nursing home (asilo), onde fez amizade com as velhinhas que lhe ensinavam inglês. Num instante estava super interessada em aprender a nova língua, carregando um caderninho e anotando as palavras novas que aprendia.Nossa maior diversão era olhar o lixo, com tantas coisas semi novas. Na Cross St, encontramos um lixo com muitas coisas das quais precisávamos. Uma senhora portuguesa nos viu mexendo no lixo e perguntou se queríamos mais coisas. Levou-nos ao attic (sótão) da casa dela, onde havia de tudo um pouco. Escolhemos panelas, cobertores e muitas outras coisas, que deixamos separadas para buscar mais tarde, pois estávamos a pé (um amigo tinha carro). Quando descemos e passamos pela cozinha, o marido dela nos ofereceu um rádio daqueles antigões com corpo de madeira. Marisa se apressou a dizer "yes" e pegar o aparelho. Saímos carregadas de coisas e eu aconselhei `a Marisa que deixasse o antiquário no próximo lixo, mas ela insistiu em carregá-lo até em casa. Consegui convencê-la a deixar o rádio debaixo da escada, para pegar depois, ao invés de subir os três andares com tanta coisa. `A noite, deu chuva e o rádio ficou meio úmido, mas quando Marisa o ligou, o som era límpido e confortante. Pelo menos tinha música que não gastava ser entendida. Só a melodia bastava.Mais tarde, quando Marisa se casou, o marido tinha um aparelho de som dos mais modernos, mas mesmo assim, ela não se desfez do rádio.
Pela manhã, um senhor de Miami me ligou perguntando se podia falar com Gessuy Freitas. Eu disse que era meu cunhado e que chegaria mais tarde, pois estava de viagem do Brasil para Boston. Ele me explicou que havia viajado com ele e que em Miami, Gessuy e a cunhada dele haviam pegado malas trocadas. Estavam indo para as Bahamas e a cunhada havia tido que comprar roupas novas para levar. Mas que dali a uma semana, voltariam das Bahamas e ele viria a Nova Iorque trocar de malas com o Gessuy.
Gessuy passou a semana usando roupas do primo Adélcio, que era maior do que ele, até `a troca de malas.
Gessuy e Clarinda moraram conosco algum tempo, depois alugaram um apartamentinho de um quarto na George St.
Mrs. W nos fins de semana.
Peguei o nome do suposto policial e depois liguei para a Polícia de Boston dizendo que queria falar com o tal policial. Disseram-me que ele estava de férias. Clarinda lembrou-se de que ela dizia que tinha um primo que era policial. Mas, se estava de férias, não poderia ligar para ninguém sobre nenhum caso.
B ainda devia uma limpeza da casa da Mrs. W que nunca me pagou, mas nem por isto deixei de tocar a campainha na casa e de ligar deixando mensagens e mais mensagens, mas sem resultado. Pelo menos queria que ela soubesse que não estávamos com medo.
Mas, certo dia Míriam, uma amiga desde o Brasil, me ligou dizendo que um pastor de Nova Iorque, Pr. Humberto Viegas Fernandes havia ligado para ela e proposto de abrir uma Missão Batista Brasileira em Boston. Pr. Humberto Viegas Fernandes havia sido contactado pela New England Baptist Convention e ligado para a única batista brasileira que conhecia em Boston, irmã Maria de Freitas, que estava se aposentando e voltando para o Brasil. Esta então, ligou para a Míriam, que me ligou.
Ela, eu e os dois casais que estavam morando no carro e que ficaram de “help” na casa da Dadá ficamos amigos e quando nos encontrávamos todos, normalmente em eventos brasileiros como o Festival que mencionei, ríamos todos das nossas aventuras nos primeiros tempos de América.
Que delicia seu texto!! Mesmo eu que nao vivi esses acontecimentos, pude imaginar conhecendo um pouco o local e alguns dos citados. Ah... vc sabe se existe essa gravacao do tio Joao ainda? Seria otimo se todos pudessem ouvir, ne?! Bjus!
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Jane. Os discos do tio João estavam na casa do tio Joel, se não me engano. Ele gravou um cd que eu tenho e gostaria de colocar na net mas não sei como fazê-lo.
ResponderExcluirAbços
Adorei sua visita ao meu Blog e seu comentário me fez chegar aqui.Estou encantada com o que escreve,parece que usou minha história, minha infância, pra descrever a sua.O inhame cozido, a banana esprimida,a mãe fazendo papel de enfermeira...linda sua história,continuarei desfrutando inclusive sobre as questões do Contestado...parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Cléo. É muito interessante que a maioria das pessoas que gostam destas memórias são as que tiveram as mesmas experiências... Entretanto, sugeri a um senhor amigo nosso que passou por uma cirurgia e ficou de molho alguns dias, que lesse minha história...
ResponderExcluirDepois de alguns dias, lhe perguntei se havia gostado e ele respondeu: "Minina, eu inté qui cumecei, mas dispois eu falei: Isso aqui num tem novidade ninhuma, uai. Matá capado, roça...Parece que ocê iscreveu foi a minha história..."
Bem, ele não tem costume de ler textos extensos, mas tenho certeza de que se fôsse um pouquinho além da matança do capado, começaria a achar novidade...
Uma página de uma grande história desta bela família.
ResponderExcluirObrigada, Washington.
ResponderExcluirLeonina
O que mais gosto são as fotos, engraçado, nasci em 62, mas lembro desse povo todo, acredita? A nossa memoria de infância é uma coisa!!!!
ResponderExcluirQue bom que vc se lembra...
ExcluirEncontrei seu texto através de uma pesquisa sobre o Contestado e me envolvi totalmente na história. Minha família sempre morou na região da divisa entre Minas e Espírito Santo então muitos desse lugares são nomes conhecidos pra mim e os costumes muito semelhantes. A vida simples me encanta. Obrigado por me fazer sentir isso.
ResponderExcluirObrigada, mlk. De onde é a sua família?
ExcluirQue delícia ler sua estória Leonina. Em algumas ocasiões você conseguiu me fazer também viajar no tempo de minha infância. Deus a abençoe muito Prima Linda. Beijocas de LizBeth Arias Berbert Heringer (Facebook)
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue bom, Lizbeth. Penso que sendo Heringer, todos temos quase as mesmas experiências. E, com excessões, os brasileiros têm um pé na fazenda (sejam avós, tios, primos, ou mesmo conhecidos...) Obrigada pelo incentivo.
ExcluirComo foi bom ler seu blog, revivi muito de minha infância. Parabéns...incrível como você relatou tão bem todos os fatos.
ResponderExcluirBeijos, Eliete
Oi Eliete, que bom que vc leu e gostou. Você é parte mto importante desta história. Uma das pessoas mais doces que já passaram pela minha vida. Desculpe que só agora chequei os comentários e vi o seu. Tentei te ligar, mas não consegui. Se puder me passar seu telefone novamente (por inbox), meu facebook é Leonina Heringer.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirmuito bonita a historia,sem contar que Laranja da Terra tambem faz de um pouco da parte da minha vida!
ResponderExcluirObrigada, Roanderson. Quem viveu em Laranja da Terra certamente tem a boa marca da nossa querida terrinha... Abços
ResponderExcluirLeonina,meu nome Vera Lígia Nunes Vieira,sou filha da Mega irmã do tio Dedé e do tio Nivaldo ,o Vadinho.Nao sei porq hoje me bateu uma saudade enorme dos tempos passados.E entrei no Google assim:Família Heringer em Laranja da terra.Por felicidade,deparei com esse seu texto maravilhoso, o qual me deixou super emocionada.Revivi em instantes toda minha infância.Passava todo final de semana em Laranja da Terra com meus pais.E muitas vezes passava dias na casa do Ataíde pai da Marlene é do Ailton.Me lembro perfeitamente da Lilica.Tbm ficamos na casa do tio Dedé é tia Zilfha.Que saudade de tudo isso.Hoje estou com 65 anos.Muito obrigada por me fazer reviver toda minha infância com esse seu texto Maravilhoso.Parabens por essa sua atitude tão linda.Bjs.Sou sobrinha do Júlio Vieira tbm, irmão da minha mãe.
ResponderExcluirQue bom que gostou de ler os meus escritos. Meu pai gostava muito da tia Catuta, como ele chamava a segunda esposa do avô dele (ela era irmã da tia Lia, esposa do tio Quinquim, tia dele, então a chamavam de tia). Vc mora aonde? Eu também tenho 65 anos. A filha do Sidney, irmão da tia Lili tbém se chama Vera Lígia.
ResponderExcluirAbraços, Leonina
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLeonina, em primeiro lugar parabéns pela dedicação em produzir riquíssima obra. Meu nome é José Onofre Chaves, tenho 65 anos, sou nascido em Itabirinha no Córrego Ipanema. Em 1961 residi em Mutum/MG, meus pais Orlando Anacleto e Lourdes têm origem naquela cidade. Em 1962 voltamos para Itabirinha e residi na Rua JK, nº 7, próximo à “esquina dos aflitos”. Naquele prédio tinha um bar e recordo de uma música que sempre era repetida: “Catarina vem cá embaixo / Uma hora estou aqui / A lua está tão clara / E eu não posso mais dormir. ...”. (Ainda bem que as letras e melodias das músicas evoluíram). Seus relatos me causaram saudades, muitas pessoas citadas, as conheço. João Geraldo, Marilda, Vicente Marinho (colegas de ginásio), entre outros. Dona Luci foi minha professora do quarto ano primário. Conheci dona Ilca e família, minha casa ficava do lado direito da sua em relação à frente da rua. O Amaral que fazia bolo caçarola é meu tio. Sai de Itabirinha no final 1969 e desde 1974 resido em Ipatinga/MG.
ResponderExcluirOi Onofre,
Excluirfico feliz de saber que você gostou de ler os meus escritos. Acho que quem morou em Itabirinha, jamais vai esquecer, seja pelo povo amigo e hospitaleiro, seja pela caçarola do seu tio Amaral (para os que tiveram a chance de saboreá-la, seja pelo marco peculiar da Pedra da Boneca, assistindo tantas gerações passando por ali.
Moramos em Itabirinha por seis anos apenas, mas como tenho família lá, nunca perdi contato totalmente.
Vejo que teve bons professores, pois seu português é excelente.
Quem sabe você também não tem experiências (em Itabirinha ou outros lugares) para compartilhar num blog (só clicar no blogspot.com, é de graça). Se escrever algo (num blog ou não), gostaria que compartilhasse comigo.
Abraços,
Leonina
Sou Evaldo Dias Heringer. Moro em Manhumirim MG.Sou neto de Alfredo Nicolau Heringer e bisneto do Capita Carlod Heringer. Fiquei encantado com algumas das suas histórias. Me lembrou muito a minha.
ResponderExcluirOi Evaldo, vc é neto do meu tio avô Alfredo, irmão do meu avô Américo Marcelo Heringer.
ExcluirCertamente que temos muito em comum.
Obrigada pelo elogio,
Leonina
Bom dia,
ResponderExcluirSou de Manhuaçu, nasci em 57. Fui vizinho do sr. Luciano Heringer. Sou amigo dos netos dele, filhos do sr. Oliveira, dona Julieta, pessoas muito dignas. Morei lá até 1971. Morei perto do Hospital de Manhuaçu, que à época era dirigido pelo eminente dr. João César Leito. Tive o privilégio de o conhecer. O via entrar e sair do hospital, todos os dias, sendo ele já idade avançada no final da década de 60.
Gosto muito de Manhuaçu e região. Vou muito pouco lá, mas como gosto muito de História, aprecei muito seu trabalho.
Vc sabe alguma coisa sobre alguém de projeção Estadual e até nacional ou quiça internacional de Manhuaçu e região. Penso que tenha ouvido de uma amiga de nossa família, a Dona Zeca, que era tia do sr. Oswaldino, relojoeira antigo, e amigo de maçonaria do meu pai, que o Machado de Assis, salve-me o engano, trabalho em algum Órgão da Justiça em Manhuaçu. A Dona Zeca tinha morado na Capital, Rio de Janeiro e era muito inteira e culta. Talvez até não tenha sido o Machado de Assis, mas outro. Vc sabe algo a respeito.
Abs,
Oi Moraes Júnior,
ResponderExcluirDesculpe-me por não ter checado mensagens mais frequentemente...
Não sou de Manhuaçu, sou de Laranja da Terra. Visitava os parentes (tio Luciano, irmão do meu avô Américo Heringer) e outros, de vez em quando.
Também não conheci o Dr. César, pois quando conheci meu esposo, Olímpio César, ele já havia falecido (conheci a Vovó Josefina).
Penso que você encontraria resposta para a sua pergunta no site
Você é de Manhuaçu sim".
Sei de um escritor famoso que foi Promotor de Justiça em Manhuaçu, José Lins do Rego, autor de "Menino de Engenho". Talvez seja dele que você está falando. Não me lembro se o coloquei nos meus relatos, mas é bem lembrado...
Onde você mora atualmente? Estou feliz por você ter gostado dos meus escritos. Obrigada!!!
Abraços,
Leonina
Parabéns Leonina uma História fantástica
ResponderExcluirObrigada, José Olinto. Vindo de você, um historiador dedicado e competente, significa muito. Obrigada por sua contribuição e suporte.
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